Sofia não tardou em agir com sua missão, sabia que teria muito o que fazer quando a mesma fosse finalizada.
Lisa já havia reportado o sucesso da sua missão, não que houvesse a necessidade disso, naquela tarde a notícia do homem esfaqueado encontrado morto no Motel dominara todos os meios de mídia. Lisa não é do tipo que limpa a bagunça ou a esconde, ela deixa suas vítimas bem visíveis. Ela cuida apenas para garantir que seu material genético não seja encontrado (e caso seja, Vanda esconderia as evidências), no mais se divertia com alvoroço que seus crimes causavam.
Rosa havia dito que também agiria hoje cedo, porém ainda não havia anunciado se tudo havia corrido bem. Sofia estranha a demora para ter notícias, mas sabe que a química é esperta o suficiente para se virar sozinha no caso de algum problema.
O Alvo de Sofia é caminhoneiro, e tem uma rotina de viagens bem intensa. Ao contrário da maior parte dos Alvos que Vanda seleciona, esse não se limita a ser violento apenas com mulheres, mas com todos que possam estar em seu caminho. Ele constantemente se envolve em brigas de bares e brigas de trânsito, já até levou uma facada numa dessas confusões, mas saiu vivo e andando do hospital no mesmo dia.
Contudo, seus crimes contra as mulheres tendem a serem mais violentos. Ele se aproxima delas, as seduz para levá-las até onde ele se hospeda, e ao contrário de cumprir o prometido, enchendo essas mulheres de carícias, ele as agride de forma muitas vezes cruel.
Sofia sabia que o mesmo ficaria na cidade apenas até a madrugada de hoje, na manhã do dia a vir, ele partiria com uma entrega para outro estado.
Não foi difícil de chamar a atenção dele, os critérios do homem são quase inexistentes, basta ser mulher e você já se candidata a ser sua próxima vítima.
O jogo ali era duplo: Ele, achando que havia conquistado Sofia, se preparava para levá-la a um apartamento que alugou para pernoitar na cidade e lá ele se aproveitaria como pudesse dela. Sofia "aceitou" ir a seu apartamento, mas dessa vez ele que se machucaria. E muito.
Os dois supostamente se encontram acidentalmente num bar perto de onde o homem se hospeda. Provocante, Sofia fez de tudo para que ela fosse a única a chamar a atenção dele naquela noite, não dando abertura para que nenhuma outra mulher pudesse se tornar a nova vítima. Em um vestido vermelho provocante, vários homens apareceram se oferecendo a pagar-lhe uma bebida, mas ela apenas aceitou a de um.
Quando o homem se aproximou da mesa em que ela se sentava sozinha, após ela ter aceitado sua oferta de um drinque, Sofia percebeu que suas investidas com olhares indiscretos e roupa chamativa tinha funcionado.
Se não soubesse do passado do homem, a enfermeira poderia dizer que não seria totalmente impossível de ser galanteada pelo homem. Apesar de ter uma beleza mediana, seu xaveco é excepcional. Juntos os dois conversam e bebem. Sofia batiza a bebida do homem com um sonífero bem fraco, apenas para deixá-lo mais vulnerável. A enfermeira é forte e bem habilidosa com armas e luta, porém o local de hoje tem vizinhos bem próximos, barulho de briga poderia chamar atenção indesejada, por isso queria deixá-lo o mais bêbado e sonolento possível.
O garçom chega com a saideira e Sofia finge rir de uma nova piada feita pelo alvo.
– O apartamento é perto? Eu posso nos levar de carro. - Sofia diz. Ela mais fingira beber do que realmente bebeu, mas havia tomado alguns goles de bebida alcoólica.
– Nada disso. Eu levo a gente. - ele dá uma piscadela. Sofia adoraria a ideia, ele provavelmente causaria um acidente e morreria no processo, economizando sua energia. Mas ela deveria seguir seu plano, e com sorte ele iria perceber, assim que levantassem, que está muito embriagado para dirigir.
Último copo de bebida terminado, conta paga. Os dois se levantam para deixar o bar. O homem segura a mão de Sofia como se ambos fossem já íntimos, seu cheiro alcoólico faz com que Sofia queira vomitar, mas ela segue forte. Infelizmente ele parece mais firme do que deveria estar, não bambeia as pernas e anda ereto ao seu lado.
Quando os dois já estão prestes a cruzar as portas do bar, um homem alto os interrompe.
– Sofia! - ele a cumprimenta saudoso. Sofia não o reconhece de primeira, a pouca iluminação não a ajudava.
– Quem é você? - é o homem que acompanha Sofia quem pergunta. O policial o olha de cima a baixo antes de responder.
– Felipe, amigo de Sofia, não se lembra, hoje tem menos sangue né? - ele ri e Sofia finalmente o reconhece. Ele é o policial que gritou com ela no hospital, ele é o policial que está investigando sobre a morte do irmão, irmão do qual Sofia ajudou a matar.
Hoje sua aparência está bem melhor. Suas roupas estão mais casuais, com uma calça jeans e uma blusa simples de gola V. Seu olho não está tão inchado, mas levemente roxo, sua boca parece totalmente recuperada, seus pontos são visíveis, mas não o deixam feio. Como ela já podia imaginar anteriormente, ele é bonito.
– Ela está comigo! - o homem fala.
– Percebo. - o policial diz indelicadamente. – Sofia, posso falar com você em particular? - ele pede.
– Ela está comigo! - o homem repete.
– Eu sei! - o policial agora perde sua paciência. – E eu estou falando com ela! Dá para você se afastar?
Sofia teme. Ela sabe que o homem que a acompanha tem temperamento explosivo, ele vai querer brigar, e mesmo sem conhecer a Felipe, ela acredita que o policial não seja muito diferente.
– Não levante a voz para mim não cara! - o homem solta a mão de Sofia e infla o peito para falar com o policial.
– Quem você acha que é para mandar em mim? - pergunta Felipe.
– Porque você não vai para o carro enquanto falo com meu amigo? Eu te encontro lá. - a enfermeira apazígua a situação. O homem ignora sua fala de início.
– É, cara, porque você não vai para o carro? - o policial provoca.
O homem ao lado de Sofia parece rosnar de raiva, mas sem tirar o olhar de Felipe, decide seguir o conselho da enfermeira e a esperar no carro.
– Se você não aparecer em 10 minutos eu venho te buscar. - ele anuncia.
Sofia espera que seu Alvo saia de vista e encara o policial.
– Então somos amigos agora? - ela pergunta.
– Me desculpe. - ele sorri. – Mas foi necessário.
– Como você lembrou meu nome? - pergunta. – Você está me seguindo? - ela cruza os braços.
– Não... Esse encontro foi totalmente acidental. - ele levanta as mãos se rendendo. – E ainda bem que aconteceu. - completa, mas Sofia ainda espera por mais. – Enquanto você fazia os pontos na minha sobrancelha meu campo de visão ficou na altura do seu crachá. - ele justifica. –Fiquei uns bons minutos apenas lendo o seu nome e vendo sua foto. - ri para tentar acabar com a tensão que sente vindo de Sofia.
– E o que você quer?
– Esse cara... - o policial olha em volta esperando localizar o homem, mas não o vê. – Ele é encrenca, você não pode sair com ele.
– Olha...
– Não estou tentando te atrapalhar. - o policial não deixa que Sofia fale nada. – Mas sou policial.
– Que bom. - novamente Sofia ironiza.
– Algo me diz que você não gosta muito de policiais.
– Nada contra. - ela mente. – Só não gosto muito dos inconvenientes. - Felipe faz uma cara feia, como se tivesse sentido dor.
– Nossa! - fica sem ter o que falar. – Essa foi dolorida... - Sofia nada diz. – Esse cara com que você vai sair, eu já o prendi por duas vezes, ele é extremamente violento, ele inclusive é dado como foragido na cidade em que trabalho. - revela. – Ao ser inconveniente eu posso estar salvando sua vida. - conclui e Sofia se vê sem saída.
– Tem certeza disso? - ela queria que ele estivesse errado, mas ela sabe que não está.
– Infelizmente. - o policial é firme e Sofia percebe que terá de recuar. O policial a reconheceu e também reconheceu o homem, Felipe é uma possível testemunha, o que não pode ocorrer, principalmente agora em que já há tanto em risco. – Olha, você é muito bonita, pode encontrar alguém bem melhor. - ele diz e Sofia ignora.
– Obrigada por me salvar então. - ela diz após um longo suspiro de frustração. – Vou para minha casa.
– Eu posso te acompanhar. - Felipe diz ao vê-la seguindo a pé até o carro dela.
– Não, obrigada. - ela começa a andar mais rápido pelo estacionamento que fica a frente do bar. O bar não é grande, mas fica localizado num centro comercial bem extenso e o estacionamento é comum para todas as lojas, por isso o número de vagas para estacionar é espaçoso. Por ser noite e a maior parte das lojas já estarem fechadas, poucos carro estão parados ali.
– Só pela sua segurança. - ele vai atrás dela, insistente.
– Não, obrigada. - repete.
– Olha... - o policial a alcança e a segura pelo braço de leve, mas forte o suficiente para fazê-la parar. – Eu estava falando sério quando disse que ele é perigoso. Eu posso te levar em segurança, te deixo na porta da sua casa e vou embora, nada mais que isso. - Sofia olha para onde deixou seu carro estacionado, o seu alvo está perto dele, mas parece indeciso se aquele carro é mesmo o dela, já que a unica informação que Sofia havia lhe dado, quando ainda conversavam dentro do bar, é que ela tinha um carro vermelho.
– Você não tem nada mais o que fazer? - Sofia pergunta tentando não soar grossa, porém falhando. – Você ia até o bar, não é? Encontrar alguém? Algum amigo? - ela prefere se livrar do seu alvo ao chegar no carro e perder a chance de completar sua missão, do que ter o policial em seu encalço.
– Não, venho sempre aqui na verdade. - confessa. – E pensando bem, talvez seja melhor eu me afastar um pouco de bares. - ri. – Ainda não estou totalmente recuperado. - aponta para o olho que não mais está inchado, mas que a pele arroxeada mostra que ali houve uma lesão há não muito tempo.
– Você não vai ficar insistindo para que eu libere a ficha do seu irmão, vai? - pondera.
– Não, isso é passado. - ele a tranquiliza. – Já encontrei outra forma para continuar a investigação.
– Como assim outra forma? - a enfermeira o questiona.
– Calma, é totalmente legal e tampouco envolve ficar te irritando. - ele garante. – Meu carro está logo ali. - ele aponta para um carro preto que está estacionado bem perto, a apenas dois carros de distância.
Sofia porém não olha para onde ele aponta, ela tinha entrado quase que em transe, pensando em 500 coisas ao mesmo tempo:
O que o policial quer dizer com "conseguiu uma outra forma"? Estaria Vanda ciente disso? Sofia tinha que descobrir um pouco mais sobre a nova forma que Felipe encontrou para continuar com sua investigação... Será que ele está mentindo? Seria essa uma forma de persuadi-la para depois tentar convencê-la de liberar a ficha?
– Sofia? - Felipe chama a sua atenção.
– Eu... Deixar meu carro aqui... Não me parece uma boa ideia. - ela finalmente "acorda" – Mas... - ela sabe que tem que aproveitar essa chance que o policial está dando para descobrir mais coisas, então negar a carona não parece ser uma boa ideia. – Acho que aqui é seguro... - ela dá um sorriso forçado.
– Posso vigiar o seu carro pela noite, se você me prometer pegar bem cedo. - ele ri ao se oferecer.
– Porque você está sendo tão cordial? - Sofia começa a achar estranho o empenho desproporcional do policial.
– Ah... - dá de ombros. – Você "costurou" minha cara e eu fui um grosso com você... Não tenho muito o que fazer por agora... Acho que essa é uma boa forma de pedir desculpas, agradecer e me ocupar. - responde por fim.
– Acho que devem ter câmeras e seguranças que vigiam o centro comercial. - Sofia diz por fim, ela não tem certeza, mas deixar o policial tão perto do seu carro onde tem uma grande quantidade de materiais para queimar e enterrar um corpo, além de armas e munição não lhe parece uma boa ideia.
– Você quem sabe, mas não me importo de ficar aqui. - sorri.
Sofia se rende. Ambos vão até o carro de Felipe, um Chevrolet Onix preto e se acomodam. Quando Felipe dá partida no carro, um barulho de vidro trincando os assusta. Sofia olha para o vidro traseiro do carro e lá está seu alvo, com uma grande pedra na mão. Claramente transtornado, ele irá atacar o carro novamente.
Por impulso Felipe dá marcha-ré e atinge o homem em cheio. Ao sentir que o atropelou, Felipe freia e fica estático com a mão no volante, por mais bem treinado que seja, naquele momento ele não sabia o que fazer. Sofia o olha também assustada. Ela queria matar o homem, mas não dessa forma.
– Ai meu Deus, eu o matei, não foi? - Felipe pergunta assustado.
– Talvez. - Sofia sussurra em resposta.