Sofia não tem uma boa noite de sono, uma nova tensão toma conta de si e faz com que sua mente e corpo fiquem inquietos. Ela teme pelo futuro da ONG, pela segurança dela e das amigas de grupo e também pelas decisões que deveria tomar amanhã logo cedo. Lisa havia lhe enviado uma mensagem ainda pela noite, enquanto a enfermeira ainda estava no estacionamento do bar com Felipe; a mulher de aparência frágil e desejos sádicos lhe informou que sua investigação a respeito do Jornalista já havia sido finalizada, logo cedo as duas se encontrariam no ONG para avaliar as descobertas.
– Está tudo bem, filha? - o pai de Sofia aparece na pequena cozinha deles. Por ter se revirado na cama na tentativa de dormir o cabelo cacheado de Sofia estava totalmente emaranhado; ela usa um pijama de calça de moletom rosa e uma blusa cinza que não fazia parte de um conjunto de pijama, e que na verdade era de seu pai e ficava tão largo que provavelmente caberia três sofias dentro da mesma. O pai de Sofia, senhor Elias, estava com um pijama de calça comprida e blusa de manga longa, da cor azul marinho, a enfermeira havia lhe presenteado esse mesmo conjunto há dois anos nos dias do pais.
– Sim, pai. - Sofia sorri fraco, ela sabe que deveria estar dormindo, que provavelmente estará morta de cansaço no dia seguinte, mas o sono parecia estar com raiva dela, e por isso ela havia ido para cozinha e preparado um chá de camomila para tomar, como um último recurso de obrigar o corpo a descansar. – Só estou com insônia. - o pai se aproxima e dá um beijo carinhoso no topo da testa da filha, que naquele instante até parece esquecer suas preocupações, seu pai sempre tem esse efeito nela. – E o senhor? Porque está acordado?
– Sede. - ele responde, pegando um copo que estava no escorredor em cima da bancada da pia. – Venho tendo muita sede ultimamente. - ele pega uma garrafa de água na geladeira e serve seu copo.
– Eu já disse que você deveria me fazer uma visita no hospital… Seria bom fazer um check-up.
– É só uma sede, filha, não há nada de mal em beber água… Bom que fico hidratado. - ele brinca e Sofia acaba rindo, mesmo sabendo que o pai deveria levá-la mais a sério. – mas me diga, filha, porque você está com insônia? Algum problema no trabalho?
Elias não sabia tanto quanto deveria sobre o trabalho da filha, só o fato de ela ter conseguido se formar já era razão o suficiente para ele se sentir orgulhoso, qualquer outro feito da filha era mais um bônus, algo a mais para ele poder se gabar entre os amigos. A única razão pela qual Sofia podia se manter presente na vida do pai e ainda ajudar Vanda na ONG é por causa da total falta de conhecimento sobre o que Sofia faz ou sobre os seus horários, o que deveria ser comum, normal ou não para uma enfermeira-chefe.
– Muitas decisões para serem tomadas… É difícil. - nesse momento Sofia não estava falando sobre seu trabalho no hospital, apesar do grande cargo que ocupa, comandar as enfermeiras era uma trabalho bem fácil, todas ali tinham objetivos bem nobre e comunhão de ideias, já no grupo da ONG, por mais que as quatro mulheres lutassem por uma mesma causa, as formas de agir e a forma de ver a vida muito se diferenciava, manter todas em controle e garantir que ninguém fosse ultrapassar limites é algo que ela não sabia se conseguiria fazer por muito tempo.
– É o seu trabalho, você não alcançou esse cargo atoa.
– Eu sei, mas…
– Filha, se você não quiser me dizer exatamente o que está acontecendo, tudo bem, mas eu quero deixar algo claro para você. - o homem se senta ao lado da filha e garante que ela o olhe nos olhos. – Não hesite tanto em fazer algo que você quer fazer, acredite na sua intuição! Erros vão ser cometidos por todo mundo, não deixe que o medo de errar te impeça de mostrar seu potencial. Você não passou por tudo o que passou para parar agora. - Sofia absorve cada palavra dita por seu pai, por mais que ele não soubesse sobre todas as suas dúvidas e dilemas, suas palavras podem lhe vir a calhar.
– E se uma decisão minha prejudicar alguém que não merece? - Sofia pergunta, ela ainda não sabe o que Lisa irá lhe revelar ao amanhecer, mas ela sente por dentro que provavelmente não será o que ela espera ou deseja: Uma razão para matar o jornalista.
– Você nasceu para fazer o bem, Sofia, para ajudar. - o pai diz. – Se você deve fazer algo que cause sofrimento em alguém, pense bem… Será mesmo que não há outra saida?
…
A fala do pai de Sofia era o que ela precisava para decidir o que fazer, mas isso tampouco deixou sua noite de sono mais calma, tudo o que ela conseguiu foi tirar um breve cochilo antes do seu despertador a acordar as 6:30 da manhã.
Antes de ir para o hospital, Sofia faz uma parada na ONG. Vestida com uma calça jeans, uma blusa de cetim verde esmeralda de mangas grossas. Seu cabelo, como quase sempre quando está fora do hospital, está solto e seus cachos estão volumosos e definidos.
Já na entrada a enfermeira encontra Lisa. A mulher usa um vestido estilo pin-up, de fundo vermelho e bolinhas brancas com um decote coração, quando a mesma não está em missão ou no seu trabalho no necrotério, ela gosta de usar vestidos nesse estilo; seus cabelos pretos e curtos, hoje chegam a brilhar de tão bem hidratado; usando quase nada de maquiagem além do seu já tradicional batom vermelho nos lábios, suas sardas envolvem toda suas bochechas. Nas suas mãos ela segura uma pasta com aba elástica da cor preta. Provavelmente, ali há todas as informações coletadas sobre Rafael, o jornalista. Fazer fichas como essas, com todas as informações possíveis do alvo é algo comum entre as mulheres, assim elas poderiam estudar a melhor forma para atacar, os pontos fortes e fracos e vários outros dados que venham a ser preciso sobre o alvo.
Quando Lisa e Sofia se encaminham para a sala de reunião, encontram com Rosa no meio do caminho, ela vem do escritório onde Vanda fica. Ao se depararem ali, as três se entreolham confusas, não havia nenhuma reunião marcada, portanto, não havia nenhuma razão para que a maior parte do grupo estivesse ali.
– Está acontecendo alguma coisa? - Sofia é a primeira a perguntar se direcionando a Rosa, que hesita em responder.
– Vim conversar com Vanda. - Rosa responde por fim. – Ela me chamou… Para fazer um pedido.
– Pedido? - Lisa questiona.
– Ela precisa de alguns medicamentos… Ela tem uma missão pessoal. - se explica.
– Uma missão pessoal? - Sofia suspeita.
– Ela não me disse muito, mas suspeito que possa ter algo haver com Vanessa.- Rosa confessa. Com sua inseparável jaqueta de couro preta, Rosa também usa uma calça jeans de cintura alta e uma blusa branca por debaixo da jaqueta. Seus cabelos estão amarrados num coque improvisado, que se mantém preso apenas por um lápis, uma bota de cano curto completa seu look.
As três ali presentes ficam em silêncio absoluto por alguns segundos.
– Você acha que ela fará algo de mal a Vanessa? - Sofia pergunta.
– Não sei. E... - Rosa parece se recompor e afastar de si o pensamento ruim. – Não deveríamos nos importar com isso, pois ela não se importou com a gente. - conclui.
Sofia não concorda completamente com a fala da amiga, mas não discute.
– E vocês? O que fazem aqui? - Sofia ainda está um pouco pensativa sobre a tal missão de pessoal de Vanda, mas Lisa, preparada, já revela a razão da reunião das duas.
– Tenho as informações sobre o jornalista. - diz, segurando a pasta preta próximo ao peito.
– Que ótimo, e porque não marcamos uma reunião com todas para falar sobre ele? - Rosa questiona.
Lisa suspira antes de responder.
– Porque não há nada. - adianta o resultado final
– Como assim não há nada? - Rosa parece não acreditar.
– Não há nada, mal mal uma multa de trânsito. - Lisa também parece frustrada com a descoberta, todas queriam que o jornalista tivesse algo em seu nome, talvez que ele tivesse assediado alguém, qualquer coisa que fizesse sua morte um pouco mais justificável.
– Talvez Vanda ache algo, podemos falar com ela. - Sofia finalmente sugere.
– Não acho que esta seja uma boa ideia no momento. - Rosa interrompe os planos da enfermeira.
– E porque não? - ela questiona.
– Vanda está de malas prontas para uma pequena viagem, creio que parte ainda hoje. - revela. – Algo me diz que ela odiaria ter essa viagem interrompida por algo assim… Algo que nós podemos resolver. - finaliza.
– Como você sabe de tudo isso? - Sofia começa a se incomodar com os níveis de informação que Rosa vem recebendo enquanto ela de nada sabe.
– Relaxa, Sofia. - Rosa percebe o descontentamento da amiga. – Você é a líder interina, provavelmente ela iria te ligar ou te chamar para passar essas informações, talvez você receba até mais informações do que eu recebi… Vanda só precisava de mim primeiro e você sabe que eu não faço nada sem fazer muitas perguntas. - Rosa ri, deixando com que a tensão ali se torne mais amena. A enfermeira aceita a justificativa da moça a sua frente.
– Bom… Então creio que o destino do jornalista deve aguardar o retorno dela. - ao terminar a frase Sofia sente como se tivesse tirado um grande peso do seus ombros. Entre todas, ela é a que mais se opõe a atacar qualquer pessoa que possa ser inocente.
– Não concordo. - Rosa logo se posiciona. – E se ela demorar? E se ele agir antes?
– Ele é inocente, não é como se pudéssemos fazer algo! - Lisa diz.
– Não podemos matá-lo, infelizmente não poderemos usar Jane no nosso plano… E como ela mesmo disse, nenhuma de nós pode arrancar as informações necessárias melhor que ela… Mas Vanda pode arranjar uma razão para interrogá-lo.
– Para isso ele precisa ser suspeito de algo. - Lisa relembra o óbvio a Sofia. – Coisa que ele não é.
– Por enquanto. - Rosa diz e abre passagem entre as amigas que estão à sua frente, rumando então para a saída.
– Rosa! - Sofia grita, chamando-a. – Não faça nada! - ordena.
– Desejem-me sorte. - Rosa grita já ultrapassando a porta de entrada.
– Eu não, tá doida? - Lisa diz em resposta, porém por não gritar, apenas Sofia, que está ao seu lado, a escuta.
– Ela vai fazer merda. - Sofia lamenta.
– E você tem alguma dúvida? - Lisa não parece surpresa com a reação de Rosa, a mesma, apesar de sempre se demonstrar fria na questão sentimental, é bem impulsiva quando crê que algo deve ser feito, não pensa duas vezes, apenas age. – Você como líder deveria ir atrás dela, pelo menos para saber onde terá que apagar o fogo. - sugere.
Sofia não pensa duas vezes antes de acatar a sugestão e vai em disparada atrás de Rosa.
A química já está no sua moto (uma diferente da que ela usou na última missão) quando Sofia a intercepta.
– Rosa, você precisa parar agora!
– Sofia, sai da minha frente. - Rosa pede com educação, porém pouco paciente.
– Você precisa pensar melhor no que vai fazer, você mesmo falou que a Vanda vai viajar, você não precisa agir agora. E se der errado? Quem vai te ajudar?
– Você vai me agradecer depois, só confia. - Rosa liga a moto e começa a dar pequenos solavancos com a mesma, abrindo passagem aos poucos, pois Sofia se vê obrigada a abrir espaço para que a motoqueira passasse e assim não ser atropelada.
– E se der errado? - Sofia pergunta antes de dar o último passo que dará a total liberdade para que Rosa siga seu caminho.
– Só me deseje sorte. - Rosa repete e parte sai sem rumo pela tranquila rua familiar.
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