Os dois passam a tarde a conversar, e apesar de Heitor deixar bem claro que não queria que ela fosse para o caminho errado, mas apenas que ela se libertasse, ela acabou bebendo um pouco, apenas para se sentir mais relaxada. Heitor a acompanhou.
No início os assuntos saíram mecanicamente, eles não tem muita coisa em comum, e o longo relacionamento de intrigas não permitia que as conversas fluissem, contudo, aos poucos eles acham pequenos assuntos que rendem e faz com que o momento juntos se tornasse mais agradável.
Quando o sol se põe, eles decidem sair e irem a um barzinho. Lá os dois dançam até não mais sentirem os pés e acabam bebendo até não mais conseguirem pronunciar seus nomes propriamente.
Sara se diverte como nunca, ela sentia falta disso. Desde os 15 anos ela sempre aproveitava os fins de semana nas melhores e mais caras boates da cidade. Bebia muito e tudo utilizando sua carteira de identidade falsa. Isso tudo sem seus pais nem mesmo desconfiarem, o que não era uma tarefa difícil, dado a pouca atenção que ambos davam a ela.
Já é madrugada quando eles decidem pegar um táxi para voltarem para casa, mas Heitor, num último surto de consciência, decide levar Sara para casa onde vive com seus avós e seu irmão, pois sabe que se a moça chegar na casa dela nesse estado, caso os pais dela estivessem por lá, poderiam não gostar.
Sara argumenta, ou pelo menos tenta argumentar, dizendo que os pais nem mesmo a veriam e que não prestariam atenção nela, contudo ela está muito alterada para conseguir convencer ao cunhado. Heitor dá apenas o seu endereço ao taxista.
Um praticamente carrega um ao outro para entrar na casa. Como já é madrugada, não há muitos funcionários ali, apenas alguns poucos seguranças, que não deixam de perceber a cena, mas em respeito, não dizem nada (apesar de que provavelmente falarão sobre isso nos bastidores da mansão); e uma faxineira que já deve estar repousando no pequeno quarto dos fundos.
Se Sara estivesse apenas um pouco mais sóbria, ela entraria em desespero, tentaria comprar o silêncio dos funcionários e faria de tudo para que nada daquilo saísse dali, ela jamais permitiria que esse assunto corresse o risco de chegar aos ouvidos de Ricardo, mas este não é o caso agora.
Ao mesmo tempo em que o pouco número de funcionários trabalhando na casa é bom, pois assim quase ninguém presencia esse momento lamentável, é ruim, pois não há ninguém que possa ajudá-los a chegar a algum lugar, ou impedi-los de fazer mais alguma bobagem…
Bêbados demais para irem muito longe, ambos se jogam no chão da sala de estar.
Sara ri do seu estado e Heitor a acompanha.
– Eu sentia falta disso. - ela assume.
– Isso é tão errado. - Heitor lamenta. – Mas você é bem melhor assim… Quando não tenta ser perfeitinha. Sendo uma santinha você fica chata, mas assim, se divertindo…- os dois se entreolham intensamente.
Heitor já sabia desse lado de Sara, ele já havia visto ela em bares e boates antes dela começar a namorar seu irmão, mas esta é a primeira vez que Sara vê a Heitor dessa maneira, e ela não pode negar: ela também amou este lado dele.
– Eu realmente gosto do seu irmão… Mas eu não sei exatamente o porquê. - ela enfim confessa.
– Meu irmão gosta de você. - Heitor diz. – De verdade… Me desculpe pelo que eu falei hoje cedo, sobre ele aparentemente não gostar de quem você é …- Sara agora fita o teto da sala. – Eu aposto que ele não ligaria de você sair com suas amigas ou usar roupas curtas ou maquiagem forte se não fosse meus avós.
– Você nunca se curvou às regras de seus avós.
– Quando meus pais morreram eu já tinha 11 anos, minha mãe sempre fez de tudo para que eu e meu irmão tivéssemos toda a liberdade que ela não teve por causa dos meus avós. Eu fui criado livre, nada de igreja todo fim de semana, regras para vestimenta, regras de como falar, de como agir, do que ser, do que pensar… Nada disso! Eu tive isso por 11 anos, eu tive a chance de criar meus próprios desejos, pensamentos, personalidade… Eu não bebo por causa de rebeldia, é frustração, porque eu não só perdi meus pais, eu também perdi minha liberdade completa, quem eu era… Já o Ricardo não, quando eles morreram ele tinha só 4 anos, tudo o que ele sabe sobre nossos pais é o que eu conto. O trauma de perdê-los foi tão grande que ele apagou praticamente tudo o que viveu antes dos 4 anos de idade da mente. - Heitor faz uma pausa, ele começa a chorar e Sara se aproxima dele numa tentativa falha de consolá-lo. – Para Ricardo a realidade que nossos avós o impuseram é a que existe, ele realmente foi criado assim, ele não experimentou a liberdade que eu experimentei… Já se fazem 14 anos, mas eu nunca superei, e eu nunca esquecerei. - Ele suspira entre as lágrimas.
– Porque você continua aqui? Se te faz tão mal? Você já é maior de idade, pode seguir sua vida… - Sara pergunta olhando fixamente para Heitor, que desvia o olhar, envergonhado.
– Parece bobo, e talvez seja, mas… Eles são tudo o que eu tenho… Meu irmão e meus avós… Sem eles eu não tenho mais ninguém. - ao terminar de falar Heitor toma coragem para olhar para Sara, que o olha com compaixão, algo que surpreende até mesmo a ela, que não consuma ter esse tipo de sentimento.
Eles ficam em silêncio por alguns segundos, apenas se olhando. Sara toma a iniciativa e o abraça. Heitor retribui.
– Porque você me aconselhou a soltar meu cabelo? - Sara pergunta após o fim do abraço. Heitor parece não entender sua pergunta de primeira. Apesar de manterem uma conversa, ambos ainda não estavam sóbrios. – Hoje cedo, quando você…
– Porque eu sei que você gosta dele solto. - Heitor a interrompe, respondendo sua pergunta. Logo após ele soluça.
– E como você sabe disso? - insiste.
– Antes do meu irmão… - ele a fita e sorri fraco. – Você sempre usava ele solto.
– Seu irmão não gosta do meu cabelo solto. - lamenta.
– Ele é besta. Você fica bem melhor com ele solto. - Heitor garante.
Mais uma vez o silêncio impera. Sara sente que deve retornar para sua casa, mas seu desejo é de continuar ali, junto a Heitor.
Heitor se mostra ser o típico bêbado carente e novamente se acomoda num abraço com Sara, que não reluta em tê-lo em seus braços.
Se você perguntar a Sara, ela dirá que não sabe como chegou àquele ponto, talvez seja a falta de comida no estômago, combinado com o excesso de álcool nas veias, se quiser, pode levar em conta a saudade que ela sentia dessa liberdade, junto com o momento honesto e sensível que ambos acabaram de trocar, mas talvez, só talvez, o fator determinante fosse o quanto ela desejava que alguém tocasse seu corpo.
É algo errado, pecado, mas ela não irá parar.
Assim que separam o abraço, ambos continuam próximos um do outro, próximo demais... Os olhares se intensificam. Heitor já não chora e o olhar de Sara não demonstra mais compaixão, mas sim desejo. A proximidade diminui e em questão de segundos seus lábios tocam ao de Heitor de maneira feroz, seus corpos se conectam numa dança perigosa, a pele quente e suadas dos dois mostra o quanto eles se jogaram nesse ato de traição.
Naquele momento nenhum dos dois se importaram com funcionários ou familiares, nada os parava. Apenas o desejo e a loucura consumia os dois.
Quando termina, ambos se jogam ao chão, nus, ofegantes e ainda em êxtase. Não há mais volta.
Após o ato consumido, após a respiração normal restaurada, e agora que o frio volta a tocar suas peles. A consciência pesa.
Meu Deus, o que fizemos?
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