sexta-feira
“Tradições
devem ser seguidas, elas nos mantem em ordem, nos ensina e nos conforta,
agradam aos mais velhos e engrandece aos jovens. Tradições devem ser seguidas!”
– minha mãe sempre faz questão de me lembrar disso, porém suas palavras chegam
aos meus ouvidos, mas nunca ao meu coração.
Existem
poucas ocasiões e lugares que posso me livrar das rédeas da tradição extremista
de minha família, e ser quem eu gosto de ser: livre e forte, onde minha voz e
meu espírito podem voar junto ao vento, sem medo de causar estragos.
O sino da
escola ainda nem mesmo esfriou, mas eu já me encontro do lado de fora do
prédio, este é meu último ano, o que é bom, mas não sei se poderei continuar
estudando, pelo que aprendi, o meu destino não é dentro de uma empresa, mas sim
dentro da cozinha.
Não posso
correr pelas ruas, pois não fui ensinada a tal, devo manter meus passos curtos,
minha cabeça curvada, o chão é a minha vista, “Cabeça erguida não é coisa de
menina que se prese” – meu pai fala. Todas que conheço são assim: minha mãe,
minhas professoras, minhas colegas de classe. Esta regra não se aplica a meu
irmão adotivo, Yudi, ele é um bom rapaz, mesmo as regras e tradições o
privilegiando, ele tampouco gosta muito delas, claro que ele não diz isso a
nosso pai ou mãe, pois é o segundo homem da casa, o que é muito importante, mas
isso não o faz o líder, e não o livra das punições. Ainda assim, é Yudi que me
apresentou a minha liberdade, ele que me ajuda a treinar sem que nossos pais desconfiem,
ele é um bom homem.
A placa na
porta é pequena, não chama muita atenção, mesmo estando numa rua movimentada,
poucos param para ler o nome, as outras placas, que durante a noite brilham
feito fogos de artificio, a mascaram. Pequena, pintada a mão, com uma pequena
luz comum em cima, para que quando a noite chegar ainda se possa ler o que está
escrito, sem jeito é rustico e um pouco bruto, combina com o local.
Abro a porta
de madeira e ela range feito uma velha zangada, e a fecho, assim que entro no
prédio. Logo na estrada vejo-me diante de uma escadaria, estreita, com escadas
de madeira, que também rangem e que não passam a ideia de segurança.
Aproveito-me de minha baixa estatura e magreza para pular sobre elas ao
subi-las, mesmo sabendo que caso eu venha a cair ou alguma delas venha a
quebrar, eu terei muito trabalho para explicar a meus pais o porquê do meu
machucado. “Se ficar marca, como que um homem vai querer olhar para você?” –
fico na duvida se esta frase seria dita por meu pai ou por minha mãe, tenho a
impressão que seria dita pelos dois.
Assim que
chego ao final da escadaria, já sinto meu coração pulsar forte, alguns odeiam
esta sensação, mas eu gosto, pois ela significa que eu corri, que eu pulei, que
eu estou livre e viva.
A academia é
grande, há vários tatames e sacos de pancada pendurados pelo espaço, os pesos
pendurados na parede são as únicas decorações permitidas por aqui, há também foto
de alguns lutadores e mestres que passaram e que ainda estão por aqui.
A luz que
vem de fora é baixa, pois mesmo estando no segundo andar do prédio, os outros edifícios
conseguem tampar o sol, então as lâmpadas que ficam sempre balançando pelo
teto, em cima dos tatames quase sempre ficam ligadas, mesmo durante a tarde,
como agora.
_ Olá Jenny.
– diz Sean, assim que me vê. Sean não é daqui. Seus olhos redondos deixam isso
bem claro, mas ele tem uma fascinação por nossa terra e por nossa cultura. Gosto
de pensar que ele já viveu por aqui em outras vidas, e que durante essas outras
vidas ele foi bem feliz, por isso, mesmo agora tento nascido longe, praticamente
do outro lado do mundo, Sean não conseguiu se afastar completamente de quem um
dia foi nem de onde um dia viveu, e por isso veio, voltou a sua antiga casa. _
Pensei que seu irmão viria com você. – ele diz.
_ Não, ele
irá vir me buscar. – digo. _ Ele teve que acompanhar meu pai na empresa hoje. –
faço uma careta, quase que
involuntariamente. Sean ri.
_ Você
queria ir também? – pergunta.
_ Não. – dou
de ombros. _ Prefiro estar aqui. – digo e isso é verdade. Eu gostaria de
assumir algum cargo na empresa de meu pai futuramente, mas entre estar lá,
aprendendo a entender os números nos intermináveis papeis e estar aqui,
treinando, aperfeiçoando meus movimentos, ganhando força, sendo livre... Prefiro
estar aqui.
_ Isso é
bom. – ele diz e sorri.
_ Vou me
trocar. – digo, ele assente e volta a bater no saco de pancadas.
Vou até o
banheiro que fica no fundo da academia, existe o banheiro masculino, que até mesmo
a porta é grande e o feminino, que há uma torneira e dois pequenos boxes, não
posso reclamar, pois sei que o publico feminino aqui é pequeno, somente eu e
mais duas outras garotas se atrevem a lutar, e homens passam por aqui o tempo
todo, no dia de torneios e lutas, posso ver centenas deles.
Tiro minha
blusa branca, com cuidado, não posso deixa-la sujar, a dobro e coloco-a na
sacola que eu trouxe, ponho-a na sacola, tomando cuidado para não amassa-la,
tiro minha saia vermelho escuro, rodada e de pregas, com o mesmo cuidado, mas
nem tanto, pois sei que este já não amaça tanto, eu coloco-a junto à blusa,
dentro da sacola. Dentro de outra sacola tiro meu Quimono. O visto sem muita
pressa, gosto de sentir a sensação do toque do pano em minha pele, o tecido é
macio, mesmo o tecido sendo grosso, eu o sinto ele leve em meu corpo.
Saio do
banheiro e coloco minha mochila no escaninho, que fica bem a frente dos
banheiros.
Quando volto
a parte da academia Sean ainda bate no saco de pancadas e há um outro homem se
alongando perto de um dos tatames. Eu não o conheço.
Começo a
alongar-me também, porém mantenho-me mais perto de Sean do que do outro homem.
_ Esta é a
garota que eu te falei. – Sean diz, parando de socar, e eu levo um susto, quase
me desequilibrando, ao levantar uma das minhas pernas até minha mão, para
alongar alguma parte do corpo (que esqueci qual que é nessa posição, mas sempre
gosto de fazer).
_ A garota
do Jiu-Jitsu. – home desconhecido diz, já acabando com seu alongamento. Ele se
aproxima de nós, e sorri simpático, ele também não é daqui, além de ter olhos
redondos e claros, ele ainda é loiro. _ Posso treinar com você hoje? – ele pergunta.
Olho de relance para Sean, apenas três pessoas topavam lutar ou treinar comigo,
Sean, meu irmão Yudi, e Naomi, uma das poucas garotas que treinam por aqui,
também tem o professor Iori, mas ele tinha esta obrigação, afinal, alguém teria
que me ensinar.
_ Ele parece
ser ruim, ótimo para dar uma surra. – Sean brinca e ambos riem, me permito a
rir também, mas acabo abaixando a cabeça, o que me deixa irritada, nem mesmo
quando estou livre, consigo me livrar totalmente das tradições.
_ Deixe-me
terminar o alongamento. – digo. _ E irei treinar com você. – ele assente.
_ Pode ser
no primeiro tatame? O mais perto da janela? – ele pergunta.
_ Sim. –
respondo apenas.
Alongo meus
braços e por último minhas panturrilhas.
Vou até o
tatame e encontro o homem desconheci já lá.
Ele estende
sua mão, para me cumprimentar.
_ Que falta
de educação a minha, meu nome é Dalton. – ele diz. Eu olho para sua mão
estendida, e até mesmo penso em estender a minha também, mas não, eu apenas me
curvo lentamente, este é o meu jeito de cumprimentar. _ Ah, sim, me desculpe. –
ele retira sua mão e se curva rapidamente. _ Estou aqui há pouco tempo, ainda
não me acostumei. – ele ri.
_ Meu nome é
Jenny. – digo, apensar de achar que ele já sabe disso. _ Não tem problema. –
digo. _ Vamos começar? – pergunto. Não quero soar apressada, nem mal educada,
apenas sei que só tenho uma hora por aqui, e não gosto de perder muito tempo
com conversas.
_ Claro. –
ele diz.
Cumprimentamos
em forma de respeito. E começamos a lutar.
Agarro seu
Quimono e ele também agarra ao meu, quero fazer um Ippon Seoi Nage, que é um
golpe relativamente fácil, onde tenho que desequilibra-lo e joga-lo ao chão, após
iça-lo até meu ombro, ele é bem maior que eu, na verdade quase todo mundo é
sempre maior que eu, mas eu sei que se isso não me impede de nada, desde que eu
siga a técnica que me foi ensinada, posso executar o golpe que eu bem entender.
Vendo que
não estamos conseguindo nada aqui, solto uma das minhas mãos do colarinho do
Quimono dele e tento agarrar o Quimono pela sua manga, ele resiste, mas eu
consigo fazer o que eu queria e isso o obriga a dar um passo a frente; com isso
consigo passar minha perna entre a sua, que está estendida para frente e me
jogo, jogando-o ao chão comigo. Dei meu primeiro golpe.
Levanto-me,
e me sinto radiante, numa luta sei que isso ainda não teria sido grandes
coisas, mas num treino permito-me comemorar qualquer golpe que dê certo.
_ Você é muito
boa. – ele diz, se levantando também.
_ Você
parece ser também. – digo, e não estou brincando. _ Só não se arrisca muito, ou
talvez você pensou que não precisaria. – falo, pois sei que muitos homens menosprezam
a força e habilidade das mulheres, e não ajuda muito que eu sou mulher, jovem e
pequena.
Sean ri ao
me ouvir dizer isso, ele sempre gosta de me ver lutando, pois sabe também que a
maioria me menospreza e se dá mal no final.
_ Prometo
não ser mais bonzinho. – Dalton diz.
_ Agradeço. – respondo.
Voltamos ao
treino.
Dalton
consegue agarrar meu Quimono por trás do pescoço, tento não deixa-lo pegar a o
meu Quimono pela alça, fazendo o possível para pegar o dele também, mas ele é ágil
e quando me dou conta, ele já está girando seu corpo, me desequilibrando e caio
ao chão. Ainda assim eu não desisto, tento o trazer junto comigo, ele resiste
um pouco, mas consigo usar meu peso para desequilibra-lo e ele cai ao chão
também. Ele tenta se levantar, colocar-se sobre mim, para tentar montar em mim,
se ele conseguir e se estivéssemos em uma luta, este golpe poderia muito bem
lhe dar a vitória.
Sinto que
ele está conseguindo me vencer, mas não desisto. Levanto meu corpo,
atrapalhando seus planos e tento reverter a posição, não consigo reverter, mas
o obrigo se deitar no chão também e com isso passo minhas duas pernas por cima
de seu corpo, e estico sua mão e deito. Faço um golpe de finalização, ou a
famosa chave de braço, posso ver que não saiu perfeita, pois não consigo sustenta-lo
nessa posição por muito tempo, mas vejo que ele não irá tentar retrucar, já que
mesmo conseguindo se livrar de meu golpe, ele não tentar encaixar outro para
terminar essa com a vitória.
Ambos
ficamos alguns segundos sentados, e ofegantes no tatame. Mesmo, teoricamente,
perdendo, ele parece gostar da luta, eu que, teoricamente estou ganhando, estou
amando.
Sean
gargalha ao fundo.
_ Eu não
disse que essa menina é fogo? – ele comemora. Dalton ri.
_ Você não
estava mentindo. – Dalton admite.
_ Ei Jenny. –
Sean grita. _ Vê se o deixa vivo até eu voltar do banheiro. – ele diz, tirando
sua luva de boxe.
_ Vou
tentar. – digo alto.
Dalton se
levanta e eu levanto assim que Sean começa a se retirar para ir ao banheiro.
_ Eu ainda
acho que você está se segurando. – digo.
_ Já faz
cinco anos que não luto. Minha mente se lembra de tudo, mas meu corpo parece
ter esquecido um pouco. – ele se justifica e se ajeita. _ Mais uma vez? – ele pergunta
já se posicionando, não nos conhecemos, mas ele já sabe que eu não negaria mais
uma luta.
Talvez toda
a conversa de “Já não luto há cinco anos e meu corpo não mais se lembra”, tenha
sido apenas para me fazer baixar a guarda, pois mal começamos e ele já engata
um Ippon Seoi Nage, o mesmo golpe que tentei fazer com ele no começo, mas não
consegui. Eu caio, mas novamente não e deixo abater por isso, ele mal respira,
quando novamente o jogo ao chão, rolando-me para cima dele e montando nele,
esta poderia ser minha vitória, mas ele não deixa que isso aconteça, ele se desvencilha
do golpe, e tenta se levantar novamente, vendo que não consegue, ele se ajeita
para também me dar uma chave de braço, sinto que vamos ficar nessa de um quase
ganha o outro quase ganha, por muito tempo, mas antes que ele finalize eu
encontro forças para me soltar de seu golpe mais uma vez, assim que vejo ele
não mais conseguirá me vencer com uma chave de braço, esforço-me para não ficar
mais em risco de sofrer algum golpe, consigo colocar meu corpo em uma posição
de vantagem, vejo que ele acaba se desequilibrando e consigo me posicionar bem
o suficiente para dar-lhe o Mata-Leão perfeito, sei que ele sabe disso também,
estou prestes a encaixar o golpe do Mata-Leão e ele diz:
_ Sabe, você
teria vencido. – eu encaixo o Mata-Leão e fico sem entender o que ele diz. Eu
sei que encaixei o golpe perfeitamente, como assim eu não venci? Ele não tem
como sair dessa. Concluo que ele está blefando. _ Se eu fosse humano. – ele diz
e eu apago no chão.
Continua
Oi gente, peço
perdão, pois hoje vi que coloquei nas datas que postaria este capítulo no dia
4/02, sendo que sempre estou postando nos domingos, então a data correta seria
hoje, dia 5/02, sinto muito se alguém ficou esperando por alguma postagem
minha, mas aqui está o capítulo espero que tenham gostado. Não se esqueçam de
comentar ;)
Muito obrigada.
Anonimo: Se
quiser compartilhar alguma teoria comigo, fique a vontade J Muito obrigada por
sempre comentar, você me deixa muito feliz. BJSSS
É tantas teorias q nem sei explicar, to amando e ainda tô curiosa, bjs!
ResponderExcluirAh meu nome é Fernanda!