domingo, 29 de janeiro de 2017

3. Vitório


Sexta-feira

           Comemoro internamente por ter lugares disponíveis para sentar, ao entrar no ônibus, eu estava cansado, o dia tinha sido cheio, complicado, e por mais que o alivio de saber que o fim de semana está logo ali invada minha mente, sou obrigado a voltar para realidade, não existe fim de semana para mim.
                                Durante a semana trabalho num restaurante, começo as 9 da amanhã e fico até as 16 horas, o restaurante é grande e movimentado, muitas vezes, nós, funcionários temos que lidar com pessoas mal educadas, mas jamais podemos reclamar, o cliente é quem tem a razão. Sábado e domingo, no horário em que pessoas da minha idade estão se arrumando parar irem curtir, irem para balada, sair com os amigos, irem a uma festa, eu estou me arrumando para voltar para o restaurante que abre para o jantar.  Sempre vou aos mesmos lugares, sempre sigo as mesmas rotinas, poucos feriados são realmente feriados para mim, e as férias de uma semana e dois dias duas vezes no ano não são capazes de recarregar minha energia nem de me consolar, esta não é a vida em que eu queria viver. Biologia era minha paixão, biologia era meu curso na faculdade, eu deveria estar a meio caminho de me tornar um biólogo, mas tudo tinha sido tirado de mim de forma muito repentina e trágica.
Primeiro veio a doença de minha mãe, depois as dividas e para fechar a morte de meu pai, o meu mundo, e a do meu irmão, tinha virado de cabeça para baixo.
           O ônibus para e eu sei que Gregório irá subir nele agora, mesmo que seja para ficar sentado por apenas dois quarteirões, já que nossa casa não é tão longe daqui. Mas se eu estou cansado, meu irmão está pior, ele trabalha como estocador no supermercado, carregar peso é algo comum em seu trabalho e o fato de que ele começa as 7 e só sai agora, as 16, tendo apenas uma parada pequena para almoço, posso dizer que ele está sempre um caco.
           Vejo que a mulher sentada um pouco a frente olha para trás, assustada, eu sei o que ela está pensando: Mas este mesmo garoto já não entrou no ônibus?
           Gregório e eu somos irmãos gêmeos, ambos com 20 anos, temos os mesmos 1,72 metros, nós dois somos loiros, os mesmos olhos castanhos, o mesmo rosto, tentamos nos diferenciar como podemos. Desde que crescemos sempre cortamos o cabelo de maneira diferente, enquanto o meu é grande, deixei crescer até quase o ombro, o de meu irmão é mais curto, não muito abaixo de sua orelha.  E sempre nos vestimos de maneira diferente, apesar de termos gosto muito parecido na questão de roupa.
           Gregório senta do meu lado e bufa cansado.
           _ Eu não acredito que terei que voltar aqui amanhã. – ele se afunda na cadeira, ficando mais a vontade, porém com uma postura péssima.
           _ Pelo menos você terá o domingo livre. – digo e ele olha para mim.   
           _ Semana que vem você entra de férias, eu não.
           _ De uma semana, quando você entrar, suas férias durará um mês.
           _ Você quer competir quem está mais ferrado? – ele se irrita.
           _ Não. – eu digo. _ Você está mais mesmo. – assumo e ele bufa novamente.
           _ Isso um dia vai acabar? – ele pergunta e eu fico sem resposta.
           _ Vamos. – digo após um tempo. _ Já é o nosso ponto.
           Gregório levanta a contra gosto e descemos do ônibus. Temos que descer a rua para chegar onde moramos, não é uma caminhada longa, não é nada cansativo, porém sempre hesitamos antes de começar.
           Nossa mãe havia perdido muito em pouco tempo. Sua doença levou sua vitalidade, emprego e cabelos, o destino levou seu marido de toda a vida e sua felicidade, tudo o que ela tinha agora era a nós, seus dois filhos cansados. Chegar em casa, para nós, não é o fim do trabalho, mas sim o começo de um trabalho diferente, tentar anima-la não é uma missão fácil, mas é tudo o que queremos fazer, queremos ter a nossa mãe feliz novamente, a mãe que sempre estava disposta ao acordar, que sorria do nada, simplesmente porque queria, queremos a mãe que iria brigar com a gente quando entrasse em nosso quarto que está uma verdadeira zona, queremos a mãe que sempre saia na rua para comprar pão, ou algo assim, as vezes nem precisava ir para algum lugar especifico, ela só queria sair, ver a luz do sol tocar sua pele clara, sentir o vento fresco que vem do mar, que não fica muito longe de onde vivemos, ela gostava de dar ‘bom dia’ a todos que passavam, ela conhece a  maioria das pessoas que moram perto, todos torcem por ela, todos a querem bem, mas nada disso parece ser suficiente mais.
           _ Em algum momento temos que chegar lá. – Gregório diz.
           _ Sim. – concordo, mas não me movo. _ Isso um dia vai acabar. – eu digo.
           _ Quando? – Gregório pergunta.
           _ Eu não sei. – respondo. _ Mas isso um dia terá que acabar. – falo e dou o primeiro passo para frente. Gregório me acompanha.

           _ Olá garotos. – diz Emanuel, assim que atravessamos a rua e chegamos a calçada do outro lado. Ele tem uma floricultura na rua de nossa casa, velho, porém muito simpático, sempre que pode tenta nos ajudar. _ leve esta rosa a mãe de vocês. – ele diz, pegando uma rosa branca e entregando-me. _ Ela gostava muito dessas. – diz sorrindo.
           _ Isso é muito gentil da sua parte, Emanuel. – digo.
           _ É um presente, o aniversario dela está chegando, não está? – pergunta. _ Seu pai sempre comprava rosas nessa época do ano.
           _ Todos os dias, durante toda a semana. – Gregório relembra.
           _ Sim. – Emanuel confirma. _ Sempre rosas brancas, e no ultimo dia ele comprava um buquê, e ia à padaria e comprava uma caixa grande de bombons. – ele lembra. _ Eu sei que não será igual, mas leve a rosa, mantenham a tradição. – ele diz. _ Isso pode alegra-la um pouco. – conclui.
           _ Não temos dinheiro para lhe pagar agora. – Gregório diz.
           _ Não, não, não. – Emanuel fala com certa urgência. _ Nada de dinheiro, é meu presente. Seus pais já me ajudaram quando precisei também, não tenho condições de fazer muito, mas posso dar essa rosa, e sei que isso significará muito.
           _ Muito obrigada, Emanuel. – vejo que os olhos de Gregório mareiam. Logo ele o irmão durão.
           _ Ei, durante a semana, sempre parem aqui, eu irei fornecer mais, sempre as mais bonitas. – ele diz sorrindo.
           Foi difícil de sair da floricultura de Emanuel. A lembrança de nosso pai ainda é dolorosa.
           Descemos mais a rua e recebemos vários “Bom Dia” e olhares de compaixão.
           Destranco a porta para entrar em casa. Gregório entra e já corre para dentro. Ele tem essa mania, sempre enrolamos para chegar, mas quando chegamos corremos para saber se está tudo bem.
           Tranco o portão, mas não corro para dentro, fico olhando para a rosa em minha mão. Emanuel provavelmente já estava esperando por nós, pois já havia retirado os espinhos, trabalho que ele só faz, quando se confirma a venda.
           Não sei se Gregório estava como eu, mas eu me sentia tão cansado que por um momento havia esquecido a data que se aproximava. Não temos o costume de fazer grandes festas na minha família, mas temos pequenas tradições ou manias que sempre repetíamos na semana e no dia do aniversário de algum de nós.
           Meu pai sempre foi o que mantinha tudo organizado e ele realmente seguia as tradições, todo aniversario de minha mãe, ele trazia as rosas brancas, uma por dia durante toda a semana e no dia do aniversario dela, um buquê e a caixa de bombom. No fim do dia íamos a um restaurante, o que minha mãe quisesse, e lá comíamos feito reis. No meu aniversario e no de Gregório, mamãe passava a semana fazendo nossos pratos prediletos, mesmo que isso significasse fazer duas coisas totalmente diferentes, e nosso pai, sempre dava um jeito de sair mais cedo do trabalho e nos levava para jogar futebol, ou basquete e soltar pipa na rua de trás da nossa casa, era legal, pois ele sempre trabalhava muito e essa era a semana que mais o víamos em casa, no dia do nosso aniversario sempre acordávamos com um bolo para cada um, meu pai tirava folga de um dia e nossa mãe, quando ainda trabalhava, ia trabalhar mais tarde. Enquanto nossa mãe trabalhava, íamos com nosso pai para a praia, entravamos no mar, jogávamos futebol na areia, simplesmente conversávamos, no fim da noite podíamos sair para onde quiséssemos, eu e meu irmão gostávamos de ir para o boliche, então quase sempre passávamos a noite de nosso aniversario lá, às vezes levávamos alguns amigos conosco, mas na maioria das vezes era algo entre a família, sem ninguém de fora. No aniversario de nosso pai era um pouco mais complicado, ele não gostava de muitas coisas, então durante a semana mamãe sempre inventava algo, algum tipo de surpresa, eles saiam sozinhos ou junto com nós, íamos a lugares diferentes, comíamos coisas diferentes, visitávamos cidades vizinhas, e no dia do aniversário dele sempre era um bolo e uma noite a sós com nossa mãe, eu e meu irmão sempre dormíamos fora de casa, quando menores íamos para casa da nossa avó ou tia e quando crescemos íamos para casa de amigos ou da namorada que estivéssemos no momento. Tudo para não nos traumatizarmos. Sei o que nossos pais fizeram para nos ter, mas não preciso presenciar isso no quarto ao lado.
           Nesse ano não teríamos nada disso.
           Descido entrar em casa. Ficar ali relembrando me fez começar a chorar.
           Limpo as lágrimas ao passar pela porta, e encontro já na sala a TV ligada. Isso é normal, sempre que chegávamos nossa mãe está vendo algo na televisão, porém mesmo com a TV ligada, não a vejo sentada no sofá.
           _ Mãe? – chamo-a. Olho para a mesa e vejo que não há lanche pronto e isso é um sinal ruim, nossa mãe, quando acorda bem, sempre nos faz lanche para quando chegarmos cansados, comermos, porém no dia em que ela está muito triste, triste demais para se quer conseguir levantar da cama, ela não faz o lanche. _ Gregório? – o chamo e subo as escadas para o segundo andar, onde ficam os quartos.
           Assim que chego, levo um susto.
           Vejo Gregório desmaiado no chão.
           _ Gregório! – grito e vou até a ele. Balanço-o para ver se ele acorda, tento apertar seu pulso para ver se ele está vivo, no nervosismo não consigo sentir nada, mas ao tocar em seu rosto sinto o ar saindo pelas suas narinas. Ele está vivo.
           Ainda assim minha cabeça roda, eu fico imaginando o que pode ter acontecido. Ele teria passado mal? Talvez algo no trabalho, ele carrega muito peso de vez em quando, ele podia ter deslocado algo? Mas deslocar algo pode causar desmaio?
           Tento lembra-me se ele parecia passar mal enquanto vínhamos para cá, mas não consigo detectar o momento em que ele deixa transparecer que algo de errado estava acontecendo.
           _ Gregório. – grito novamente. Quero descer, para pegar o telefone e ligar para a emergência, mas antes corro até o quarto de nossa mãe, talvez ela soubesse como nos ajudar e quem sabe, mesmo estando em seus dias ruins, ela levantaria da cama e ajudaria.
           Vou até lá e abro a porta, mas não a vejo de imediato.
           _ Mãe? – a chamo.
           Fico assustado, mas penso: será que ela saiu de casa? Será que ela estava se sentindo melhor e saiu para caminhar? – uma leve onde de animação me inunda, só de pensar que talvez minha mãe estivesse melhor.
           Minha alegria não dura muito, pois logo escuto sua voz.
           _ Vitório? – ela chama meu nome, bem baixinho. Entro no quarto e vejo-a sentada no canto esquerdo, se espremendo entre a cômoda e a parede.
           _ Mãe? – fico sem entender nada. _ o que está acontecendo? – pergunto. Ela chora e isso corta meu coração.
           Minha mãe estica suas mãos em minha direção, vou até a ela, agacho-me na sua frente e ela toca meu rosto.
           _ Filho. – ela sorri, mas ainda há lágrimas jorrando de seus olhos.
           Vejo que ela olha para minha mão, nem mesmo tinha notado, mas eu ainda seguro a rosa que Emanuel deu, porém o talo agora está quebrado na metade.
           Eu entrego a rosa, e ela tira a mão esquerda de meu rosto para pega-la.
           _ Gregório está desmaiado no corredor, temos que ajuda-lo. – eu digo com urgência. Minha mãe me olha e sorri fraco.
           _ Eu sei. – ela diz triste. _ Chegou o dia. – ela fala.
           _ Do que você está falando mãe? O que está acontecendo? – pergunto.
           _ Não adiantou fugir. – ela diz. _ Eles nos encontraram. – ela fala. Penso que pode ser alucinação, dizem que a mistura de remédios pode causar isso, ela nunca teve, mas talvez hoje ela tivesse exagerado nas doses e por isso falava nada com nada.
           _ Mãe, eu vou chamar a emergência. – digo.
           _ Não. – ela agarra meu braço, me mantendo no chão, junto a ela. _ Não há o que fazer. – ela diz. _ Eles não irão desistir.
           _ Mãe, por favor, você está alucinando...
           _ Não. – ela me interrompe. _ Eu não também não entendi quando seu pai falou. – ela diz. _ Mas quando vieram nos visitar, falando do plano deles...
           _ O que isso tem a ver com o papai? – pergunto um pouco irritado, eu estava perdendo tempo, eu precisava ajudar meu irmão.
           _ Tudo. Isso... Isso passa. – ela diz. _ É genético, está no seu sangue, é quem você é.
           _ O quê que ‘passa’?
           _ O que tem dentro de você. – ela toca a mão que segura em meu peitoral, onde fica o coração. _ O que você guarda dentro de você passa de pai para filho. – ela diz.
           _ Eu estou doente? – pergunto. _ Por isso Gregório está desmaiado? – insisto. _ Há cura? – pergunto desesperado.  
           _ É algo lindo, mas tome cuidado, use para o bem. – ela diz.
           _ Mãe...
           _ Não, filho, você vai entender. – ela sorri, mas depois começa a chorar compulsivamente. _ Eu só queria que vocês pudessem ficar comigo. – ela diz.
           _ Mãe, eu não vou te abandonar. – eu digo e tento abraça-la, porém ela me afasta e olha para trás. Ela parece ver algo atrás de mim. Quero ver o que é, mas ela volta a segurar meu rosto e me obriga a ficar olhando para ela. _ Feche os olhos.
           _ Mãe...
            _ Feche os olhos Vitório! – ela ordena. Eu não quero, não entendo o porquê de ela estar agindo desta maneira estranha. _ por favor. – ela pede com a voz fraca em meio ao choro.
           Suspiro frustrado por não entendê-la, mas fecho os olhos.
           E não os abro mais.

Continua

Mais um capítulo postado, espero que tenham gostado, comentem o que acharam, quero muito saber a opinião de vocês.
Bjsss


Anônimo: Creio que agora já dá para começar a fazer algumas teorias, mas entendo que ainda não dê pra entender toda a história, mas a partir que mais capítulos forem postados ficará mais fácil fazer teorias. Muito obrigada por comentar. Bjssss

Um comentário:

  1. Esse capítulo já deu pra mim criar mil teorias na minha cabeça, posta logo, bjs!

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