segunda-feira, 23 de janeiro de 2017

2. Theodor



Quinta-feira


_ Aquele cara deveria ser você. – assusto-me com a voz de Philip.
_ Não sei do que você está falando. – minto e coloco minha guitarra na case com bastante cuidado, a guitarra é nova, a comprei após um mês inteiro me privando de várias coisas, apenas para juntar dinheiro para compra-la, hoje havia sido a primeira vez que eu a usara no palco e posso dizer que todo sacrifício tinha valido a pena.
_ Aquele cara aos amassos com Sofia, ali no bar. – ele se especifica, deixando-me sem ter onde fugir. Fecho a case e posso dizer que minha parte está terminada.
_ Mas não é. – digo duro. _ E isso não deveria ser da sua conta. – concluo. _ Quer ajuda para guardar sua bateria? – pergunto, querendo mudar de assunto.
              _ Eu realmente não entendo vocês dois. Vocês claramente amam um ao outro, menos vocês mesmos. – ele ignora minha tentativa.
              _ Eu sei que amo Sofia. – deixo escapar baixo.
             _ Se soubesse mesmo não estaria aí, fazendo corpo mole.
              _ Não estou fazendo corpo mole, ela não gosta de mim, simples assim.
_ Não existe isso de “ela não gosta de mim”, todos sabem que você a ama e todos sabem também que ela te ama, o que ela tem é medo de se envolver e você é um besta que não faz nada para concertar isso.
_ E o que você quer que eu faça? Eu que a obrigue a ficar comigo? – irrito-me.
_ Não! Eu quero que você seja o cara que tira todo esse medo dela, quero que a faça superar o passado, é só isso. – ele diz. _ Todo mundo torce por vocês.
Não quero admitir, mas as palavras de Philip me fazem pensar. Eu conheço Sofia faz três anos, não foi amor à primeira vista, mas não demorou mais de um mês para que ela se tornasse meu primeiro pensamento ao acordar.
Nesses três anos criamos uma forte amizade. Eu sei que ela confia em mim mais do que em qualquer um, ela se abre comigo mais do que se abre com qualquer outra pessoa. Eu gosto de crer que temos uma intimidade e uma conexão que só pode ser explicada pelo fato de que nos amamos, mas Sofia gosta de se fazer durona, gosta de agir como a insensível, que não se importa com nada. Se tornar amigo dela, muitas vezes pode ser algo complicado, pois ela pode ser bem bruta quando quer, mas todos sabem que na hora da necessidade ela é a pessoa mais doce e prestativa que existe, e eu sei que Sofia, na realidade, é uma pessoa doce, eu sei que a Sofia bruta é uma mascara, um escudo, uma proteção, eu sei, porque eu a conheço e porque eu a amo, amo muito.
Ano passado, no impulso, eu disse a ela que eu a amava, parecia o certo a se fazer, eu já estava guardando isso comigo por muito tempo, mas a resposta que tive não foi a que eu esperava receber. Ela não quis saber de mim, cheguei a pensar que nunca mais a veria, mas ela não me afastou completamente, apenas deixou claro que o que temos é amizade e que sempre seremos apenas amigos e companheiros de banda, nada mais que isso.
Escuto uma voz feminina gritando.
Não preciso nem olhar para saber de quem se trata.
O bar não está muito cheio hoje, quinta-feira não é dia de muito movimento, então mesmo que ela não esteja gritando muito alto, todos podem escutar sua interjeição.
Eu e Philip pulamos do palco e vamos até o bar.
Empurro o homem de perto de Sofia.
Ele é maior que eu, mas não me importo.
Sou forte também, posso não ser musculoso, mas consigo me garantir numa briga.
_ Theodor, pode deixar, está tudo bem agora. – Sofia diz, atrás de mim.
_ Escutou ela, guitarrista? – diz com desdém. _ Está tudo bem agora.
Sofia cheira a álcool. Ela bebeu durante o show inteiro, o que a deixou bem alterada, e isso ajudou durante sua performance, os poucos que vieram ao bar se animaram durante nossa apresentação, e Sofia, como vocalista, é grande responsável sobre isso, mas agora, está bem claro que a bebida não estava mais a fazendo bem.
Não é a primeira vez que Sofia tem problemas com homens no bar. Ela é bonita.
Um pouco baixinha e com sardas no rosto, isso a deixa com uma aparência inocente, mas Sofia tem um corpo muito bonito, o famoso corpo violão, suas curvas são perfeitas, e o fato de que ela tem várias tatuagens espalhadas pelo corpo, faz com que o ar de inocência suma e lhe dê um ar sensual. Geralmente ela consegue se esquivar de homens mal intencionados, mas algumas vezes ela precisa da nossa interversão. Porém esta e a primeira vez que ela não aceita nossa ajuda logo de cara.
Ignoro ao homem e me volto para Sofia.
_ Sofia, vamos embora. – digo, já pegando seu braço e puxando-a.
_ Ei cara. – o homem me empurra. Solto a Sofia para que eu não caia e a leve junto. _ Ela pediu para que você saísse, não que você a levasse. – ele diz. Phillip fica ao nosso lado, mas não intervém, ele é menor que eu e tem completa aversão a brigas, pois ele sempre perde.
_ Eu não sei quem você é, e sinceramente, pouco me importo, eu só sei que é melhor você se afastar, eu não estou brincando. – digo sério, mas o homem ri.
_ Quem você pensa que é cara? – ele pergunta marrento.
_ Alguém que sabe reconhecer quando uma mulher está sóbria ou não. – digo. _ Simplesmente um homem de verdade.
De canto de olho percebo que Phillip tira Sofia do local, mas creio que enfureci tanto ao homem a minha frente que ele nem mesmo se importa.
O homem vem para cima de mim com um soco, mas desvio, dando um pulo para trás, sei que o seu golpe havia sido forte, pois ao não me alcançar ele quase se desequilibra, pois é puxado para frente pela sua própria força.
Sei que sou forte e que posso lutar contra ele, mano a mano, mas sinto que posso perder muito mais no final, desde um dente até mesmo o emprego de músico aqui no bar.
Tocar é mais um passatempo (e uma maneira de ficar mais tempo perto de Sofia), do que necessidade para mim. Durante a semana trabalho como Programador de Software para uma empresa, se me despedissem daqui por brigar com um cliente, eu não sofreria muito, mas não posso dizer o mesmo dos meus colegas de banda, Phillip também tem um segundo emprego, como repositor de estoques num supermercado, mas Sofia e Lara (a baixista), vivem apenas da música, Lara também faz bico de professora particular de vez em quando, mas para Sofia é apenas música, e mais nada. Prejudica-las não é minha intensão.
Assim que o homem retoma seu equilíbrio ele dispara mais um soco contra mim, o soco é dirigido a meu rosto, desvio novamente, porém não tenho a mesma sorte da primeira vez, este acerta meu ombro em cheio e a dor é bem forte.
_ Vai ficar fugindo é seu frangote? – ele esbraveja.
Isso me atiça, talvez dar só um soco não fizesse mal, não é?
Descido partir para cima também, mas por sorte sou interrompido por George o segurança do bar.
_ Vocês dois, parem agora. – ele exige. George é grande, ele naturalmente causa medo nas pessoas, eu, que o conheço, sei que na verdade ele é tão doce quando uma garotinha de quatro anos de idade, mas o homem que estava brigando comigo não o conhece desse jeito, e ele fica claramente assustado com George.
_ Esse cara está me atrapalhando. – o homem diz. George o ignora.
_ Theodor, é melhor você deixar essa passar. – ele diz baixo, apenas para mim. _ Vá para casa. – sugere.
Não insisto, eu não queria brigar mesmo.
Volto ao palco apenas para pegar a case com minha guitarra e sair do bar. Vou até o estacionamento, lá encontro Phillip e Sofia encostados em meu carro.
_ Ela vai precisar de carona. – Phillip diz. _ A Quitinete dela é totalmente fora do meu caminho. – ele diz, eu sei que é mentira, é um pouco longe de onde ele mora, mas não tão fora de mão assim, Phillip está apenas tentando, mais uma vez, nos aproximar.
Meu carro é pequeno e velho, um Ford Ka, que comprei após juntar vários salários, na época que eu era professor de informática para idosos, ganhava pouco, mas meu trabalho era fácil, então não tinha o porquê reclamar.
Guardo a case na parte de trás do carro, enquanto Sofia senta-se no banco do passageiro, tomo cuidado para que a case não acabe apertando as teclas do teclado que está guardado aqui também. O teclado também é velho, mas tem um ótimo som, Sofia o toca, dependendo o repertório, porém hoje ela não tinha usado ele.
Sento-me no banco do motorista e tento ligar o carro, comemoro internamente quando ele funciona após minha segunda tentativa, pois geralmente preciso tentar umas quatro vezes até ter sinal.
Sofia está sem cinto de segurança, e sua cabeça está encostada na janela do carro, que está fechado do seu lado.
_ Eu não te tirei de lá por mal. – eu digo, puxando um assunto. _ Você verá isso quando acordar amanhã.
_ Eu sei. – ela dá de ombros. _ Não é isso. – ela diz.
_ Então o que está acontecendo? – pergunto.
_ O detetive. – ela começa e logo entendo seu descontrole de hoje, Sofia não é exatamente muito controlada, mas hoje ela tinha ultrapassado vários limites e agora tudo começava a fazer sentido. _ Ele não encontrou nada. – ela diz. _ Novamente. – ela suspira frustrada.
_ Mas você sabia que isso poderia acontecer. Você mesmo disse que não confiava nele. – digo, tentando melhorar a situação.
_ Ele não achou minha mãe, mas achou meu pai. – ela diz e percebo que nada que eu dizer agora irá ajudar.
_ Talvez ela tenha largado ele. – digo. _ Não pense no pior, Sofia.
_ Largado a ele... Abandonado a mim. – ela diz. _Ótimo.
_ Talvez ela também esteja te procurando. – digo.
_ Ela sabe onde eu moro, Theodor, ela não precisa me procurar, se ela está viva, ela sabe onde eu estou. – se irrita e começa a chorar.
_ Sofia... Eu... – eu não sei o que dizer.
_ Eu vou parar. – ela diz. _ Eu passei os últimos quatro anos buscando por ela, quatro anos recebendo nenhuma notícia, gastando o dinheiro que eu não tenho com detetives, a maior parte deles picaretas... Eu procurei médiuns, um charlatão atrás do outro, e agora? Agora eu sei que meu pai está aí, andando para todos os lados como um homem de bem. E minha mãe? Onde ela está? Ninguém sabe ninguém viu.
_ Talvez seja melhor mesmo. – concordo. _ Seguir em frente, quem sabe é só isso que falta? Talvez quando você acalmar ela apareça. – eu digo.
_ Que seja. – ela dá de ombros, nada que eu diga agora irá melhorar seu humor. _ Obrigada por hoje. – ela diz e eu acabo sorrindo de canto.
_ Você sabe que pode contar comigo sempre.
_ Eu sei. Theodor: o protetor. Sempre perto para proteger a todos que precisam. Principalmente a pobre Sofia.
_ Também não precisa ficar caçoando. – digo.
_ Não, não estou zoando com você, estou dizendo a verdade, você sempre quer proteger a todos, sempre pensa nos outros antes de agir, se você quer fazer algo, mas sabe que isso pode prejudicar a alguém, você não faz. Esse é você e isso é algo admirável. – ela diz.
_ Fico feliz que você ache isso.
_ Eu não estou aceitando nada. – ela deixa claro.
_ Eu sei, somos amigos, somente amigos. – não consigo fingir animação, e isso faz Sofia rir.
_ Talvez um dia... – ela começa, mas hesita. _ Eu consiga...
Alguém me corta e eu piso no freio instantaneamente, eu paro, mas encosto na traseira do carro que me cortou.
Puxo o freio de mão, para poder tirar o pé do freio, olho para Sofia e ela bateu a boca no painel do carro.
_ Sofia... – entro em desespero. Vejo que pouco a frente o motorista que me cortou parou o carro. Ele sai e vem em minha direção. Ele é loiro e alto, mas estou tão preocupado com Sofia que não consigo pegar nenhum outro detalhe.
_ Eu estou bem, ela diz. – mas seus lábios sangram. Ela passa a língua pelos dentes. _ estão todos aqui. – sorri, me acalmando e eu acabo rindo também.
Quando olho para fora o homem já está do lado do meu carro.
_ Eu quero conversar. – diz o motorista.
_ Eu vou te passar meu número...
_ Não, não preciso, eu quero conversar. – insiste. Está de noite e as luzes não estão muito fortes, aperto o olho para ver se reconheço o homem, chego a pensar que ele é o mesmo que procurou briga no bar, mas não é.
Ele levanta as mãos e se afasta um pouco do carro.
_ É só uma conversa cara. – diz.
_ Qualquer coisa, grava e chama a policia. – digo para Sofia e ela acena com a cabeça, concordando.
Saiu do carro e vou até o motorista.
_ Desculpa por qualquer coisa, mas foi você que me cortou. – fico na defensiva.
_ Eu sei. – ele diz bem calmo.
_ E o que você quer? – pergunto, sem entender aonde ele quer chegar.
Ele sorri antes de responder.
_ Vocês. – diz apenas. Dou um passo para trás.
_ Eu não tenho nenhum dinheiro. – digo. _ Por favor, somos apenas músicos. – digo, talvez ele ficasse com dó, não é nenhuma novidade que músicos geralmente são pobres e desvalorizados.
_ Eu sei. – ele diz e isso acaba me assustando mais ainda. Olho para Sofia e vejo que ela está desmaiada no banco do passageiro.
 Desespero-me.
_ Sofia!
Vou até a ela, mas caio de joelhos assim que chego à porta do carro.
Vê-la lá, desmaiada me dá forças para tentar levantar, mas não consigo, acabo desmaiando também.

Acordo, mas não tenho certeza.
Sei que já acordei outras vezes, mas todas às vezes pareciam irreais, coisas irreais aconteciam.
Demora um pouco para que eu perceba que desta vez as coisas a minha volta parecem bem reais.
Levanto da cama em que eu estou e o frio me pega em cheio.
Estou em um quarto branco e minimalista.
Vejo que há um homem sentado, frente a uma mesa, a outra cadeira vazia.
Eu não reconheço o homem.
Ele não parece perigoso, mas isso não impede que eu fique com medo.
_ Quem é você? – pergunto.
_ Sente-se comigo, Theodor. – ele me chama pelo nome.
_ Quem é você? – insisto.
A porta do quarto em que eu estou se abre.
O motorista que me fechou entra. Posso reconhecê-lo, pois seu cabelo loiro, quase dourado, é bem característico.
_ Onde está Sofia? – pergunto, agora em alerta.
_ Ela está bem. – o homem sentado me responde.
_ Eu quero vê-la. – exijo.
_ Primeiro eu gostaria de conversar com você.
_ Não. – eu digo. _ de novo não. – foi assim que eu parei aqui, não quero cair nesta armadilha novamente. _ Quem é você? – insisto.
_ Theodor, a questão não é quem eu sou, mas sim quem você é.

Continua

Quero agradecer as visualizações que venho recebendo, e apensar de não ter recebido muitos comentários, espero que o maior número de visualizações da página seja um sinal positivo.
Essa história é bem diferente do que eu costumo escrever por aqui, então sei que pode estar um pouco confuso para quem já me acompanha, mas prometo que tudo ficará um pouquinho mais claro no final e que todo esse “mistério” tem um motivo especial.
Muito obrigada a todos.



Anônimo: kkkkkkk fico feliz que gostou, seu comentário significa muito para mim, espero que goste da história. Muito obrigada. Bjsss

Um comentário:

  1. Continuo confusa e mto curiosa, espero q nao aconteca nenhum mal a essas pessoas sequestradas, quero mais, não demora a postar, por favor!bjs

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