quarta-feira, 14 de outubro de 2020

Prólogo (Red Blood Lipstick)



– Bom... Minha filha, Sofia... Ela é uma bela menina, forte, guerreira... Ela se tornou uma mulher honesta, feliz, mesmo com tudo que ocorreu com ela quando ela era pequena. Eu não sou um homem muito instruído. – o velho pausa para dar uma leve risada. – Estudei apenas até o quarto ano, nunca me formei, mas ela não, ela se formou e hoje ela é enfermeira chefe do maior hospital daqui da cidade. – agora ele pausa para dar um sorriso orgulhoso. – ela é tudo para mim, minha pequena, sempre minha pequena.


– O senhor claramente a admira muito. – o jornalista observa. – e carrega em si muito orgulho.


– E como não ter? – não hesita em responder. – Foi a primeira de minha família a se formar na faculdade... Provavelmente é uma das poucas que fará isso nesse bairro, você não precisa ficar tímido, doutor, não estamos no melhor bairro da região, se sobressair aqui é raro, é louvável, e minha menina conseguiu isso mesmo com tudo indo contra ela.


– Não precisa me chamar de doutor, senhor Elias, sou apenas um jornalista investigativo.


– Para alguém como eu, qualquer pessoa é doutor, doutor jornalista.


– Estou começando achar que na verdade o senhor esqueceu meu nome. – sorri amigável, após acusá-lo.


– Tem um pouco disso também... Idade... Vai demorar, mas você vai saber ainda.


– Rafael, meu nome é Rafael, senhor Elias... Mas me diga mais uma coisa, você disse que algo ocorreu com ela quando ela era pequena, o que seria? – o senhor Elias podia não saber, mas esse era exatamente o ponto em que o jovem jornalista investigativo queria chegar desde o início, pois sua próxima grande reportagem seria sobre um assunto no qual ele já vem investigando por anos e tudo indica que Sofia é um ponto importante para solucionar o quebra-cabeça.




Elias não responde tão prontamente, ele parece debater consigo mesmo se deve ou não dizer algo, ou como dizer algo. Sem dúvidas aquele não era um assunto que ele gostava de falar sobre.




– Quando ela tinha apenas 5 anos ela presenciou a morte da mãe. – ele pausa, é difícil falar sobre o ocorrido. – Foi um assassinato. – ele finaliza.


– Sinto muito por isso, senhor Elias. – o jornalista queria mais, porém entende que deverá ir mais devagar..


– Já se passaram vinte e seis anos, mas acho que nunca superei. A culpa, a injustiça... Não há uma semana que passe e eu não me lembre dela. - o velho agora fala sobre a sua falecida esposa.




Elias se levanta do velho sofá em que estava sentado com dificuldade e se dirige a estante que está logo atrás do mesmo. Lá ele pega um porta-retrato com todo o carinho do mundo. Ele olha a foto que lá está e sorri, depois dá um breve abraço no porta-retrato e depois o entrega ao jornalista.




Na foto há uma versão bem mais jovem do senhor Elias, que hoje é praticamente careca, apesar de não ter muitas rugas é bem óbvio que já passou dos 70 anos. Agora ele é gordo, antes era atlético e mesmo a foto sendo antiga, provavelmente feita pelas primeiras máquinas capazes de fotografar em cores, sua pele retinta chega a brilhar; sua altura, que até hoje impacta ao olhar, deixava a mulher ao seu lado parecendo frágil e miúda, mesmo que ela provavelmente tenha tido estatura mediana. Hoje, no olho direito do senhor Elias há sinais de catarata, seus dentes não são mais tão brancos e seu sorriso tampouco é tão grande. Ao lado dele, na imagem, há uma jovem mulher, de cabelos alisados num penteado típico dos anos 70. Ela veste um vestido branco simples, mas muito bonito e os dois posam perto a um enorme bolo. Era uma foto do casamento do senhor Elias com a mãe de Sofia.




– Ela se chamava Marta. - Elias diz. – Quando a conheci ela trabalhava como faxineira no shopping que eu trabalhava como segurança. Em menos de cinco meses já estávamos com o casamento marcado. - ele ri. – Era muita paixão, se é que me entende. - Rafael apenas assente. Os tempos eram outros... – Quando nos casamos começamos a planejar ter um negócio próprio, um mercadinho próximo a onde morávamos, seria algo melhor, mais trabalhoso, porém seríamos mais felizes. Quando conseguimos juntar dinheiro o suficiente para começar a montar a loja, estávamos tão felizes que parecia até mesmo que tínhamos ganhado na loteria. De certa forma era quase como se tivéssemos ganhado mesmo. Ganhávamos bem mais e sofríamos bem menos, não era nada fácil trabalhar naquele shopping, muita gente rica, os olhares de superioridade eram humilhantes... Na loja não, estávamos rodeados pelos nossos vizinhos, gente como a gente. 


"Dois meses depois de abrirmos a loja, Marta descobriu que estava grávida. Foi muito bom, nada planejado, mas estávamos indo bem, achamos que ia ser possível conciliar tudo... Mas não foi tão simples assim... Os gastos aumentaram, claro, tínhamos que trocar de casa, já que morávamos num kitnet, pois para economizar para abrir loja fizemos muitos sacrifícios. Tive que dobrar minha jornada de trabalho. Eu ficava durante a parte da manhã e início da tarde trabalhando no nosso mercadinho e durante a outra metade da tarde e noite eu trabalhava como segurança na casa de um homem muito rico, as vezes ele me fazia de motorista também, o que era bom, pois me pagava um extra. Marta cuidava da loja sozinha na parte da tarde e noite."


"Quando eu saia do trabalho de segurança, eu ia busca-la. Fechávamos a loja juntos."


"Com Sofia os horários ficaram mais complicados, mas demos um jeito, a medida que ela foi crescendo ficou mais fácil, já que ela foi pra creche. Mas ainda assim, ela sempre estava com a mãe dela durante a noite, quando eu ia buscá-las"


"Infelizmente nosso bairro se tornou perigoso, não por culpa nossa ou dos nossos vizinhos. Muitos arruaceiros de outros bairros vinham mexer com nossa gente, por isso começamos a ficar mais receosos com a lojinha, mas naquele ponto não poderíamos simplesmente fechar."


"Sofia tinha 5 anos, ela já tinha chegado da creche, geralmente a irmã de Marta a buscava e a deixa lá, era muito gentil da parte dela... Naquele dia meu chefe pediu para que eu fizesse um trabalho como motorista dele, claro que eu aceitei, mas acabou demorando mais do que o esperado... Quando eu cheguei na loja para buscá-las... " - a voz do velho homem falha, ele engole o seco, se esforça para manter-se firme, mas no fim as lágrimas vencem. Ele tenta disfarçar, enxugando-as rapidamente com a alça de sua blusa de frio feito de tricô.




Rafael respeita o tempo de Elias, deixando-o se recuperar, deixá-o decidir se deve continuar ou não.




– Destruíram tudo. Estava tudo em chamas... Minha mulher lá... Sofia escapou. - resume o fim da história.


– Descobriram quem fez isso? - Rafael pergunta.


– Sim... Mas eram uns... - ele tem dificuldade em continuar a conversa. – Eles eram ricos e conseguiram se livrar... No fundo acho que o juiz também odiava os negros. - há um tom raivoso em sua voz.


– Foi um crime de ódio? - Rafael o questiona.


– Sempre foi... Eles vinham, pichavam nossas portas, quebravam nossas janelas, ameaçava e xingavam nosso povo: "Ladrões! Vagabundos! Macacos!" urinavam em nossas portas, mas... Mas o que fizeram com minha mulher... Foi mais que ódio... Não existem palavras.


– Sinto muito. - Rafael sente que é o momento de parar, o assunto era bem mais pesado do que estava esperando. Ele havia lido algumas reportagens feitas na época do ocorrido e claro que as manchetes foram bem mais dóceis e solidárias com os "jovens complicados que numa noite de loucura, invadiram uma loja, agrediram uma mulher, que segundo eles os atacou com uma faca e acidentalmente, durante a fuga, deixaram que um isqueiro caísse aceso próximo a umas garrafas de bebidas alcoólicas que foram derrubadas durante a briga." Em nenhuma reportagem eles foram tratados como criminosos ou assassinos, em nenhuma reportagem o senhor Elias, Marta ou Sofia eram retratados como as únicas vítimas.




Para Rafael toda aquela história contada nos jornais da época era uma grande desculpa esfarrapada, um crime horrendo havia sido cometido, mas os pobres jovens inconsequentes e imaturos demais para saber a gravidade do que estavam fazendo saíram praticamente ilesos do julgamento. Não passaram nem mesmo um dia atrás das grades, apenas foram obrigados a pagarem a quantia de 500 mil a Elias e nada mais.




– Como você acha que Sofia conseguiu superar isso? Ela hoje é formada, trabalha num bom lugar...


– No melhor hospital da cidade! - Elias o corrige. Falar sobre Sofia parece surtir um efeito positivo no velho, que parece se esquecer da sombria noite em que perdera a mulher e da injustiça do seu caso.


– Desculpe... Ela trabalha no melhor hospital da cidade, como você acha que conseguiu superar isso?


– Gostaria de dizer que foi apenas mérito meu, mas... Nossa advogada, Vanda, ela nos ajudou muito. Mesmo depois do julgamento ela acolheu Sofia, pagou pela psicóloga dela, pagou até mesmo pela faculdade dela. Nunca pediu nada em troca.


– Porque ela te ajudou tanto? - a bondade extrema de Vanda intriga ao jornalista, infelizmente sua área de atuação o deixa desconfiado muito facilmente e ele também aprendeu a pegar todos os detalhes, tudo poderia ser a porta de entrada para algo ainda maior.


– Vanda é uma boa mulher, sempre se preocupa com as vítimas... Ela inclusive tem um ONG, que ela mesmo criou para ajudar na recuperação de vítimas de crimes violentos. - Rafael aceita a resposta, mas uma pulga atrás da orelha o faz desconfiar que há algo mais, que a ONG ou Vanda pudesse ser importante para que ele conseguisse fechar sua investigação.




O barulho da chave destrancando a porta chama a atenção dos dois homens. Elias se apressa para recepcionar a filha. Rafael se levanta da poltrona xadrez na qual sentara desde que chegara e sorri para a enfermeira que acabava de voltar de um plantão. Na sua face era bem óbvio o cansaço, mas seu olhar de confusão ao ver o jornalista ali era ainda mais pronunciado.




– Ele é um jornalista. - Elias diz. – Está falando sobre casos que não tiveram justiça, como a nossa. - resume. Sofia o cumprimenta com um breve aperto de mão, ela parece desconfiada.


– Sou Rafael, jornalista investigativo. Estou fazendo uma reportagem bem extensa sobre casos onde houve um claro erro de justiça na hora do julgamento.


– Entendo. - Sofia diz. – Creio que meu pai saberá lhe dizer nossa história. - a garota se esquiva do jornalista.


– Sim, ele já me contou, sinto muito por tudo. - Sofia apenas lhe dá um sorriso fraco, querendo encerrar o assunto. – Seu pai me falou sobre Vanda...


– O que ele falou sobre Vanda? - pergunta com urgência, chamando a atenção de Rafael.


– Falou sobre como ela lhes ajudou... - a enfermeira parece relaxar com a resposta dada. – Ela tem uma ONG que ajuda vítimas de crimes, correto? - Sofia confirma com a cabeça. – Eu adoraria falar com ela e talvez com algumas pessoas que sejam ajudadas na ONG, como posso entrar em contato?


– Ah, eu tenho o telefone dela... - Elias começa, mas Sofia o interrompe abruptamente.


– Ela é muito ocupada, não terá tempo para entrevista e não acho que as pessoas atendidas na ONG seriam capazes de lhe ajudar. A maioria ainda está num momento muito difícil da recuperação do trauma. - ele a sente na defensiva.


– Me desculpe, acho que seria melhor se você me conhecesse melhor. - ele abre sua bolsa cor bege, quadrada e claramente velha, e de lá tira um cartão. – Comecei uma série de reportagens há uns anos neste blog aqui, de maneira independente. - ele mostra o site no cartão, que tem apenas seu nome: Rafael Souza, Jornalista; o link do seu blog e um número de telefone fixo. O fundo é branco e tudo está escrito em azul. Simples e direto. – Essas reportagens chamaram a atenção de um jornal conceituado e agora estou trabalhando num projeto bem maior para eles. - ele diz. – Mas pelo blog você poderá ver melhor o meu trabalho, ver que é algo sério, não tenho a intenção de atrapalhar uma pessoa que lhe ajudou tanto. - Sofia fita o cartão o tempo todo, pensando em como afastar aquele jornalista de Vanda ou da ONG.


– Eu falarei com ela. - diz por fim. – Se ela tiver interesse eu peço para que ela entre em contato. - finaliza.




Fisicamente Sofia muito se assemelha a sua mãe, o corpo esguio, a pele negra, os olhos cor jabuticaba, mas outros traços remetem a seu pai, a boca carnuda, os longos cílios, o queixo pronunciado e o nariz pequeno.




– Agradeço por isso, espero que possa me ajudar com essa entrevista, sinto que será de muita valia para meu projeto. - Rafael insiste.


– Tudo bem. - Sofia concorda. – Estou cansada. - diz olhando diretamente ao jornalista. Ela quer afastá-lo de todo modo e sua frase soa como uma indireta, ela quer que ele vá embora, quer que perceba que sua presença a incomoda.

– Acho que já vou indo. - Rafael entende o recado e sua desconfiança ganha ainda mais força. – Muito obrigada pela entrevista senhor Elias. - o velho o abraça para se despedir. – Até mais, Sofia. - Sofia sorri. – Leia meu blog quando estiver melhor... Acho que nos veremos novamente em breve. - se despede

Sofia está exausta, mas assim que se dirige a seu quarto ela entra no blog do tal jornalista. Não é necessário procurar muito para encontrar as reportagens das quais ele se referiu, e a enfermeira logo percebe que existe uma grande chance de ele não estar investigando simples crimes sem justiça, mas sim a ela, a Vanda e suas amigas.


Algo deve ser feito para pará-lo! 



......


Olá, finalmente comecei a postar a nova história, nesse início os capítulos serão bem introdutórios e creio que não abordará de forma muito explicitada nada que possa ser gatilho para vocês, mas caso você tenha algum problema em ler história que aborde temas como

abusos (sexuais, físicos e psicológicos), sexo, racismo, drogas e violência, essa história pode não ser adequado a você. Nos capítulos em que esses assuntos estiverem presentes de forma mais expressiva, deixarei um aviso logo no início, assim ninguém correrá o risco de acidentalmente ler algo que não é adequado ao mesmo.
No mais, espero que gostem dessa nova história, estou me dedicando bastante para que a mesma saia com a qualidade, comentem e divulguem se assim for possível.
Muito obrigada e bjss

Um comentário:

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