terça-feira, 28 de julho de 2020

3. … We’d be together




Como prometido, as 7 em ponto o carro de Carlos estava estacionado frente a meu prédio. Acordei bem mais calmo, bem mais animado, a noite havia sido boa.
Eu estava com um short preto largo, o mesmo tênis que ontem utilizei para ir a igreja, desta vez, porém, uso meias brancas, uso também uma blusa esverdeada, estou com uma mochila mediana, onde guardo duas garrafas de água, um protetor solar, um óculos, um boné, e meu celular, não sei se é o suficiente ou a bagagem ideal para a trilha, mas é o que pude lembrar no pouco tempo que tive para me arrumar . Clarisse está de legging rosa clara, usa também um tênis de corrida. Ela veste uma blusa regata branca, com um gigante desenho de girassol bem no centro, pois, caso ainda não tenha percebido, se não tem flor, não existe Clarisse. Ela está de cabelo preso e usa seu boné também rosa.
Entramos no carro de Carlos, eu no banco do passageiro e Clarisse no banco de trás. Hoje, meu amigo de infância, parecia ser ele novamente, sorridente, claramente animado para o dia que teriamos.
Música animada enquanto dirige, o vento na cara… O dia amanheceu bonito, não está quente demais, nem frio, o céu está num azul límpido, tudo indica que será uma trilha perfeita.

Mesmo antes da trilha começar podia se ver que o local era privilegiado pela beleza natural, de longe podia se ver a cachoeira que formava o lago em que, no final da trilha, poderíamos nadar.
Como Carlos já havia dito, seguimos na trilha em pequenos grupos, no nosso, somos apenas 6 mais o guia junto a um paramédico. Algumas instruções são passadas antes do início, mas antes das oito e meia já  estamos caminhando.
O chão, na maior parte, é de terra batida, uma vegetação baixa rodeia as ladeiras que subíamos. A cada 15 minutos parávamos por 10 minutos, e não sei dizer se era estratégia ou se era totalmente aleatório, mas posso falar que a cada parada me encantava ainda mais com a beleza do lugar. Os pássaros voando, as plantas que emanam diferenciados cheiros, as flores… O barulho do rio correndo ao longe.
A cada parada aproveitava também para tirar fotos, Carlos como sempre, saia nas fotos fazendo caretas, língua para fora, com poses engraçadas; eu nunca mudo a minha pose, sorriso de boca fechada, braços soltos ao lado do corpo, olhando diretamente para câmera; já Clarisse… Fotos olhando para a nada, fotos com sorriso largo, foto com poses variadas… Todas lindas.
Já estamos na nossa sétima parada, desta vez demoramos mais, pois o guia oferece a todos algo de comer. Um sanduíche natural, um suco e um pequeno pedaço de bolo de chocolate para sobremesa, este seria o nosso almoço, algo leve para que não passassemos mal na caminhada. Se seguirmos como o planejado, em menos de uma hora estaremos no pico, no rio que antecede a cachoeira. Não nadaríamos ali, pois segundo o guia lá não é muito seguro, dariamos a volta no rio e desceriamos pelo outro lado do morro e chegariamos no lago em que as águas da cachoeira desfilam e lá sim poderiamos entrar.
Passamos pelo menos 30 minutos parados para que todos pudessem comer e fazer a digestão. Para descontrair o guia fazia jogos de adivinhação, charadas, coisas do tipo, a maioria porém, após comer, se dedicou a tirar fotos.
O cronograma de volta seria subir novamente o penhasco e a chegada ao topo se daria bem na hora do pôr do sol, rendendo as melhores fotos a todos, parte do caminho de volta seria a base de lanternas, nem eu nem Clarisse trouxemos a nossa, Carlos trouxe a dele e o guia já tinha garantido que tinha uma forte o suficiente para iluminar todo o grupo.

– Eu falei que você iria gostar. - Carlos diz com a respiração pesada. Estávamos nos aproximando da nossa penúltima parada, antes do lago que antecede a cachoeira, e mesmo com a temperatura amena estávamos suados. A medida que atingiamos o topo a subida se tornava mais íngreme e pesada.
– Tenho que confessar, você acertou em cheio desta vez. - assumo.
– Dessa vez… - ele ri. – Sempre acerto, seus melhores passeios são comigo.
– Com você e Clarisse. - o corrijo, ele não responde, apenas ri.

Serão mais 10 minutos para contemplar a natureza a nossa volta. A água corre forte, realmente não parece um lugar muito seguro para se nadar, redemoinhos podem ser vistos de longe e a velocidade da correnteza amedronta.
Percebo porém que a caminhada para dar a volta no rio e descer rumo ao lago abaixo da cachoeira não será muito longo, bem no raio do meio do rio há uma ponte que liga uma ponta a outra, apesar de ter sido feita de pedras é bem claro que não se trata de uma ponte natural, o que decepciona, já que a todo momento a trilha manteve a natureza intocável, contudo mentalmente agradeço, isso encurta a caminhada.
Enquanto tiro fotos, principalmente de e com Clarisse, Carlos conversa com um casal que estava em nosso grupo, os três parecem ter encontrado vários assuntos em comum.

– É linda, não é? - uma jovem ruiva, que estava sozinha em nosso grupo, se aproxima para falar comigo enquanto procuro o melhor ângulo para tirar mais uma foto de Clarisse que está próxima as pedras que margeiam o veloz rio. Antes de respondê-la, admiro minha esposa pela tela por mais alguns segundo.
– Sim, ela é linda. - mesmo após anos eu ainda me mantinha mais apaixonado por ela do que antes.
– Essa natureza… - ela suspira, e percebo que não estamos a admirar a mesma beleza.

– Vamos seguir! - escuto de longe a voz do guia. Começo a andar distraidamente, olhando para as fotos que acabei de tirar. Carlos começa a andar do meu lado, consigo sentir sua animação mesmo sem olhá-lo.
Quando faltam poucos passos para chegarmos a ponte percebo que Clarisse não anda a  meu lado. Olho em volta e não a vejo.
Paro, todo o grupo segue andando, vejo então Clarisse próxima a beira do rio. Mas o que ela está fazendo ali? Tão próxima a água… Próxima demais.

A correnteza é forte, as pedras no meio do rio são grandes e pontudas, os musgos as tornam escorregadias, os redemoinhos, o vento, era claro que isso aconteceria.

Parece que o mundo começa a funcionar em câmera lenta, vejo o seu corpo vagarosamente caindo sobre as pedras na beira do rio.
– CLARISSE! - corro em sua direção o mais rápido que posso.
– Lucas! - primeiramente penso que é a voz dela, mas logo percebo que é de Carlos, ele corre bem atrás de mim. Claro que ele iria nos ajudar. – Lucas!
Corro bem mais rápido que meu amigo, chego a margem quando Clarisse já está quase sendo arrastada pelas águas. Inclino meu corpo para tocar sua mão estendida, que anseia pela minha para que eu a salve, mas sou puxado por outra direção. É Carlos.

– Pare com isso! - ele grita.
– Pare você, Clarisse caiu na água! - Berro e torno a olhar para Clarisse, mas ela não mais está lá. Vejo-a no meio do rio, a água a leva sem piedade. Desvencilho-me das mãos de Carlos e tento retornar a margem do rio, mas novamente suas gordas mãos me agarraram. – Socorro! - grito e olho para o restante do grupo, o paramédico corria a nossa direção, mas ele não parecia ter pressa, ele não via a urgência da situação. – Ela está se afogando!
– Acorde Lucas! Ela não está na água! - Carlos me agarra pela gola da camisa.
– Eu a vi cair! - tento me soltar, mas ele me segura com muita força. O paramédico nos alcança.
– Está tudo bem?
– Não! - eu digo.
– Está sim! - Carlos responde. – Eu cuido disso. Só nos dê um espaço. - eu me contorço.
– Você vai matá-la!
– Lucas, pare! Ela não está aqui! Ela já se foi! Deixe-a ir! - ele grita.
Olho para o rio e não mais a vejo, as lágrimas começam a escorrer pelo meu rosto, embaçando toda minha visão.
– Já se passaram oito meses… Eu estou tentando te entender… Eu estou tentando te ajudar, entrar na sua onda, mas você já está se colocando em risco, não está funcionando mais! Lucas, olhe para mim! - torno minha face a ele, minha visão embaçada não permite que eu o veja com detalhes. – Ela se foi, Lucas, ela se foi. - sua voz embarga, e eu paro de me debater. - Foi um acidente Lucas, não tinha nada que você pudesse fazer.

Ela se foi.
ELA SE FOI! ELA NÃO VOLTA MAIS!

A dor, o carro batido, eu a vejo, há muito sangue, a fumaça se espalha, eu sinto muita dor, por todo o corpo, mas eu me arrasto até o lado do passageiro, eu consigo abrir a porta, eu consigo puxá-la para fora, ela grita de dor, sua respiração está acelerada, eu a arrasto junto a mim, há muita fumaça, o ar está pesado, eu sinto muita dor, há muito sangue, ela não mais grita, eu tento mantê-la acordada, eu chamo seu nome, eu grito de dor, a fumaça aumenta, eu chamo seu nome, eu a beijo uma vez, duas vezes, Clarisse! Ela não me responde, seu peso nos meus braços se torna ainda mais pesado.

Mas e todas nossas promessas e planos? E seus sorrisos que sempre iluminaram minhas manhãs? E tudo que ainda tínhamos para viver juntos? Tanta coisa que eu ainda tenho para dizer-la, tanta coisa que ela ainda tem a me dizer. E as brigas, discussões e DR’s que ainda não tivemos? Não! Este não poderia ser o fim! Não! Ela me prometeu, estaremos sempre juntos, seríamos um casal de dois velhinhos rabugentos. Este não pode ser o fim!

Mas era, eu queria que eu também tivesse ficado ali, você seria a última pessoa que eu veria, como deveria ser, como planejamos, morreríamos juntos, não seria um problema para mim, mas a vida não é justa, não é?
Lembro da nossa última conversa, antes de tudo acontecer, você queria saber o final dos meus votos, já que no casamento segui a orientação de Carlos e parei pela metade. Eu prometi que iria lê -lo para você, mas você nunca escutará. 

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