terça-feira, 16 de maio de 2017

Outono Cinza





Olá gente, quem se lembra de um capítulo que eu postei há alguns dias, sobre um desafio no qual estou participando? Então, aqui está a continuação, desta vez o tema era outono. Para quem não leu a primeira parte, é só clicar aqui .
Espero que gostem.

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                O verão mais estranho da minha vida já tinha terminado, mas isso não significa que o outono seria mais fácil.
                Casar com um desconhecido parece não ser algo tão incomum, quanto eu achei que era. Descobrir a forma em que me casei, ainda é uma história bizarra para mim, concluir que a separação seria um processo complicado, pois nos casamos em comunhão universal de bens, portanto, tudo o que eu já tinha e tudo que eu adquiri desde o casamento, deveriam ser divididos, foi assustador, mas contar a novidade para minha família, foi o fim.
                Agora estávamos todos juntos na sala de reunião da empresa. Eu, Roberto, meus pais, meu avô paterno, dois advogados e minha tia materna.
                Todos olham para nós sem reação, talvez estejam esperando que eu comece a rir, revelando que tudo não se tratava de uma brincadeira, uma encenação para descontrair o ambiente sério de trabalho. O último vestígio da animação do verão, antes que o outono nos deixe sérios demais.
                – Podemos processar o juiz desse cartório, se os dois estavam bêbados, ele deveria ter impedido a cerimonia. – um dos advogados sugere.
                – Ou ele pode aceitar o divorcio, sem pegar nenhuma parte do dinheiro. – meu pai diz. – Afinal de contas, você não casou com ela para roubar o dinheiro de nossa família, foi?
                – Pai! – eu o repreendo.
                – Não estou acusando. – ele se defende. – Estou apenas perguntando.
                Assim como pude conhecer melhor de Roberto, ele pode conhecer um pouco mais de mim. E a nossa clara diferença física não é nada comparada com a diferença em nossa renda.
                Meu tataravô é o fundador da maior empresa de construção de nosso estado, como parte da família, eu herdei o cargo de subdiretora da empresa, que hoje é comandada, quase que exclusivamente, por meu pai. A empresa é grande e a fortuna juntada por todos esses anos é alta, portanto, sou rica desde que nasci.
                Já Roberto tem uma história completamente diferente, sua vida não foi fácil. Criado só pela mãe, ele morava em uma invasão, quando tinha dois anos, a prefeitura desocupou o terreno onde ele morava e junto a sua mãe, foi morar na rua. Ficou nessa condição por quase um ano, quando ela conseguiu um trabalho, em tempo integral, como empregada, e a patroa permitiu que ela levasse o filho. Por toda a vida a mãe de Roberto foi domestica e ela nunca deixou que ele desistisse dos estudos. Ele foi o primeiro da família a entrar para faculdade, onde se formou em direito, hoje ele trabalha para o estado, como oficial de justiça, e com o salário, sustenta a mãe.
                – Não somos ruins. – sussurro para Roberto, que está sentado a meu lado.
                – Eu sei. – ele diz não muito alegre.
                – Nosso casamento foi estranho. – tento defender-me.
                – Eu sei. – desta vez ele força um sorriso.
                – Podemos lhe oferecer uma quantia, será bem menor do que a que levaria no caso da separação, mas será boa. – o outro advogado sugere.
                – De jeito nenhum. – meu pai interfere. – Agora toda vez que Marcela ficar bêbada e se casar, eu serei obrigado a pagar para que ela se separe?
                – Isso não vai se repetir. – defendo-me. – Não é como se isso acontecesse toda hora.
                – Eu não sei mais de nada, Marcela, mais de nada. – ele mal olha para mim. – Então me diga rapaz, você aceita sair, sem pedir nenhum dinheiro?
                – Não estou interessado no dinheiro. – Roberto responde, sem pestanejar.
                – Então o que estamos fazendo aqui? – meu pai pergunta.
                – Eu não sei. – Roberto responde. – Marcela e eu viemos apenas para dizer o que aconteceu, você que resolveu organizar essa reunião, ao invés de apenas conversar com a gente. – ele não teme em falar de igual para igual com meu pai. Até mesmo eu tenho medo de falar tão de frente com ele.
                – Então agora eu sou o errado da história? – ele pergunta.
                – Pai, não é assim.
                – Cale a boca, Marcela. – meu pai se altera.
                – Não fale assim com ela. – Roberto me defende.
                – Porque você está defendendo-a? Vocês nem mesmo se conheciam antes de fazerem essa burrada! Ou isso não se passa de uma brincadeira? Mais uma das piadas sem graça dessa menina mimada?
                – Não é uma brincadeira, pai. – já não tenho animo para brigar.
                – Temos que solucionar isso rápido. – ele exige.
                – E se eles continuarem casados. – sugere minha tia.
                Minha tia é uma mulher brincalhona, meu pai a odeia, mas por possuir uma astucia inigualável, quando o assunto é administração de empresas, ele foi obrigado a aceita-la como membro ativo dentro do alto escalão da empresa da família.
                – Não vejo como isto é uma solução. – meu pai quase rosna.
                – Primeiro que impede que ela cometa o erro novamente. – ri, mas quando vê que ninguém a segue, volta a ficar séria. – segundo que nos daria mais tempo para procurar uma solução melhor...
                – E mais rico ele sairá no final. – meu pai a interrompe. – Não vou parar os ganhos da empresa, só para que ela se separe sem perder dinheiro...
                – Eu aceito. – digo e todos me olham.
                – Eu não permito. – meu pai finalmente olha para mim.
                – Já estou casada, não há nada que possas fazer. – bato o pé. – Você aceita? – pergunto a Roberto e ele começa a sorrir.
                – Claro, estou adorando minha vida de casado. – ele diz e olha diretamente a meu pai, que está vermelho de raiva.
                – Ótimo, já podemos terminar esta reunião. – eu me levanto da cadeira.
                – Onde você pensa que vai? – meu pai agora grita.
                – Embora. – respondo. Roberto se levanta e segura minha mão. Saímos juntos da grande sala.
                Enquanto esperamos pelo elevador, Roberto parece pensativo.
                – O que foi? Já se arrependeu? – pergunto.
                – Não. – ele sorri fraco. – Este lugar... Cheio de ternos e cabelos arrumados e regras, nada de...
                – Alegria. – continuo a frase, quando percebo que ele hesita.
                – Não há cor aqui. Apenas preto e branco. É como se um outono cinza. – diz. O elevador chega e entramos.
                – Minha vida é cinza. – digo, após ficarmos breves segundos em silêncio. – Sempre foi. – digo. – Eu só nunca percebi antes.
                – Se você quiser, posso tentar colocar um pouco de cor nela. – eu o olho, e ele sorri para mim. – Já que somos marido e mulher... – dá de ombros.
                – Se eu não te conhecesse, diria que está gamado em mim. – ele gargalha e a porta do elevador se abre, e saímos na portaria.
                Ao sairmos do prédio, uma rajada de vento me faz arrepiar, Roberto me abraça, para inibir meu frio.
                As folhas das árvores começam a se espalharem pelo chão, as árvores quase nuas, parecem tiradas de um conto de terror, as roupas, que semanas atrás eram leves e coloridas, começam a ficar mais escuras e a terem mais panos. O outono chegou, mostrando que não veio para brincadeiras.
                – Vou te levar para conhecer minha mãe. – ele anuncia.
                – Sério? Contou sobre nós para ela? – pergunto.
                – Claro. – ele diz. – E ela quer te conhecer... Prometo que ela não irá chamar nenhum advogado e lhe acusar de nada. – eu coro, sem graça. – Ei, eu estou brincando. – ele ri, ao perceber que fiquei calada.
                – Eu sei. Já passei um bom tempo com você. – digo. – Você é um entusiasta de carteirinha.
                – Não vejo o porquê passar a vida de cara fechada. – ele se justifica.
                – Podemos marcar algo. – digo. – Com a sua mãe.
                – Você vai gostar da sua sogra. – ele brinca.
                – Se ela for como você...
                – Se eu não te conhecesse, diria que você está gamada por mim. – ele relembra minha fala de agora pouco e isso me faz rir.
                – Já que somos marido e mulher, vamos entrar na brincadeira.

Continua



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