Olá gente, quem se
lembra de um capítulo que eu postei há alguns dias, sobre um desafio no qual
estou participando? Então, aqui está a continuação, desta vez o tema era
outono. Para quem não leu a primeira parte, é só clicar aqui .
Espero que gostem.
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O verão
mais estranho da minha vida já tinha terminado, mas isso não significa que o
outono seria mais fácil.
Casar
com um desconhecido parece não ser algo tão incomum, quanto eu achei que era. Descobrir
a forma em que me casei, ainda é uma história bizarra para mim, concluir que a
separação seria um processo complicado, pois nos casamos em comunhão universal
de bens, portanto, tudo o que eu já tinha e tudo que eu adquiri desde o
casamento, deveriam ser divididos, foi assustador, mas contar a novidade para
minha família, foi o fim.
Agora estávamos
todos juntos na sala de reunião da empresa. Eu, Roberto, meus pais, meu avô
paterno, dois advogados e minha tia materna.
Todos
olham para nós sem reação, talvez estejam esperando que eu comece a rir,
revelando que tudo não se tratava de uma brincadeira, uma encenação para
descontrair o ambiente sério de trabalho. O último vestígio da animação do
verão, antes que o outono nos deixe sérios demais.
– Podemos processar o juiz desse cartório, se os dois estavam bêbados,
ele deveria ter impedido a cerimonia. – um dos advogados sugere.
–
Ou ele pode aceitar o divorcio, sem pegar nenhuma parte do dinheiro. – meu pai
diz. – Afinal de contas, você não casou com ela para roubar o dinheiro de nossa
família, foi?
–
Pai! – eu o repreendo.
–
Não estou acusando. – ele se defende. – Estou apenas perguntando.
Assim
como pude conhecer melhor de Roberto, ele pode conhecer um pouco mais de mim. E
a nossa clara diferença física não é nada comparada com a diferença em nossa
renda.
Meu
tataravô é o fundador da maior empresa de construção de nosso estado, como
parte da família, eu herdei o cargo de subdiretora da empresa, que hoje é
comandada, quase que exclusivamente, por meu pai. A empresa é grande e a
fortuna juntada por todos esses anos é alta, portanto, sou rica desde que
nasci.
Já
Roberto tem uma história completamente diferente, sua vida não foi fácil.
Criado só pela mãe, ele morava em uma invasão, quando tinha dois anos, a
prefeitura desocupou o terreno onde ele morava e junto a sua mãe, foi morar na
rua. Ficou nessa condição por quase um ano, quando ela conseguiu um trabalho,
em tempo integral, como empregada, e a patroa permitiu que ela levasse o filho.
Por toda a vida a mãe de Roberto foi domestica e ela nunca deixou que ele
desistisse dos estudos. Ele foi o primeiro da família a entrar para faculdade,
onde se formou em direito, hoje ele trabalha para o estado, como oficial de
justiça, e com o salário, sustenta a mãe.
–
Não somos ruins. – sussurro para Roberto, que está sentado a meu lado.
–
Eu sei. – ele diz não muito alegre.
–
Nosso casamento foi estranho. – tento defender-me.
–
Eu sei. – desta vez ele força um sorriso.
–
Podemos lhe oferecer uma quantia, será bem menor do que a que levaria no caso
da separação, mas será boa. – o outro advogado sugere.
–
De jeito nenhum. – meu pai interfere. – Agora toda vez que Marcela ficar bêbada
e se casar, eu serei obrigado a pagar para que ela se separe?
–
Isso não vai se repetir. – defendo-me. – Não é como se isso acontecesse toda
hora.
–
Eu não sei mais de nada, Marcela, mais de nada. – ele mal olha para mim. –
Então me diga rapaz, você aceita sair, sem pedir nenhum dinheiro?
–
Não estou interessado no dinheiro. – Roberto responde, sem pestanejar.
–
Então o que estamos fazendo aqui? – meu pai pergunta.
–
Eu não sei. – Roberto responde. – Marcela e eu viemos apenas para dizer o que
aconteceu, você que resolveu organizar essa reunião, ao invés de apenas
conversar com a gente. – ele não teme em falar de igual para igual com meu pai.
Até mesmo eu tenho medo de falar tão de frente com ele.
–
Então agora eu sou o errado da história? – ele pergunta.
–
Pai, não é assim.
–
Cale a boca, Marcela. – meu pai se altera.
–
Não fale assim com ela. – Roberto me defende.
–
Porque você está defendendo-a? Vocês nem mesmo se conheciam antes de fazerem
essa burrada! Ou isso não se passa de uma brincadeira? Mais uma das piadas sem
graça dessa menina mimada?
–
Não é uma brincadeira, pai. – já não tenho animo para brigar.
–
Temos que solucionar isso rápido. – ele exige.
–
E se eles continuarem casados. – sugere minha tia.
Minha
tia é uma mulher brincalhona, meu pai a odeia, mas por possuir uma astucia inigualável,
quando o assunto é administração de empresas, ele foi obrigado a aceita-la como
membro ativo dentro do alto escalão da empresa da família.
–
Não vejo como isto é uma solução. – meu pai quase rosna.
–
Primeiro que impede que ela cometa o erro novamente. – ri, mas quando vê que
ninguém a segue, volta a ficar séria. – segundo que nos daria mais tempo para
procurar uma solução melhor...
–
E mais rico ele sairá no final. – meu pai a interrompe. – Não vou parar os
ganhos da empresa, só para que ela se separe sem perder dinheiro...
–
Eu aceito. – digo e todos me olham.
–
Eu não permito. – meu pai finalmente olha para mim.
–
Já estou casada, não há nada que possas fazer. – bato o pé. – Você aceita? –
pergunto a Roberto e ele começa a sorrir.
–
Claro, estou adorando minha vida de casado. – ele diz e olha diretamente a meu
pai, que está vermelho de raiva.
–
Ótimo, já podemos terminar esta reunião. – eu me levanto da cadeira.
–
Onde você pensa que vai? – meu pai agora grita.
–
Embora. – respondo. Roberto se levanta e segura minha mão. Saímos juntos da
grande sala.
Enquanto
esperamos pelo elevador, Roberto parece pensativo.
–
O que foi? Já se arrependeu? – pergunto.
–
Não. – ele sorri fraco. – Este lugar... Cheio de ternos e cabelos arrumados e
regras, nada de...
–
Alegria. – continuo a frase, quando percebo que ele hesita.
–
Não há cor aqui. Apenas preto e branco. É como se um outono cinza. – diz. O
elevador chega e entramos.
–
Minha vida é cinza. – digo, após ficarmos breves segundos em silêncio. – Sempre
foi. – digo. – Eu só nunca percebi antes.
–
Se você quiser, posso tentar colocar um pouco de cor nela. – eu o olho, e ele
sorri para mim. – Já que somos marido e mulher... – dá de ombros.
–
Se eu não te conhecesse, diria que está gamado em mim. – ele gargalha e a porta
do elevador se abre, e saímos na portaria.
Ao
sairmos do prédio, uma rajada de vento me faz arrepiar, Roberto me abraça, para
inibir meu frio.
As
folhas das árvores começam a se espalharem pelo chão, as árvores quase nuas,
parecem tiradas de um conto de terror, as roupas, que semanas atrás eram leves
e coloridas, começam a ficar mais escuras e a terem mais panos. O outono chegou,
mostrando que não veio para brincadeiras.
–
Vou te levar para conhecer minha mãe. – ele anuncia.
–
Sério? Contou sobre nós para ela? – pergunto.
–
Claro. – ele diz. – E ela quer te conhecer... Prometo que ela não irá chamar
nenhum advogado e lhe acusar de nada. – eu coro, sem graça. – Ei, eu estou
brincando. – ele ri, ao perceber que fiquei calada.
–
Eu sei. Já passei um bom tempo com você. – digo. – Você é um entusiasta de
carteirinha.
–
Não vejo o porquê passar a vida de cara fechada. – ele se justifica.
–
Podemos marcar algo. – digo. – Com a sua mãe.
–
Você vai gostar da sua sogra. – ele brinca.
–
Se ela for como você...
–
Se eu não te conhecesse, diria que você está gamada por mim. – ele relembra
minha fala de agora pouco e isso me faz rir.
–
Já que somos marido e mulher, vamos entrar na brincadeira.
Continua
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