Olho para o relógio no canto direito da tela de meu
notebook, já se passa da meia noite, meia noite e dez, para ser mais exata.
Tento não me distrair com algum site na internet, mas quando me dou conta já é
meia noite e dezesseis, me distrai novamente, e nem mesmo sei com o quê. Olho
para o Word, e para as quatro linhas ali escritas. Eu tinha apenas algumas
horas para terminar aquele texto de apresentação, minha ultima chance de entrar
em alguma faculdade, já que todas as outras datas já haviam expirado.
“Meu nome é Lara Sullivan, tenho 19 anos, me formarei no fim
desde mês e me candidato para uma vaga no curso de Biologia. Creio ser uma boa
candidata para a vaga em sua faculdade, porque sou uma pessoa...”.
Uma pessoa...
Ótimo, sou uma pessoa.
Sou uma pessoa que não faz a mínima ideia do que escrever.
Aquele e-mail seria lido pelo reitor da faculdade, e eu deveria estar tentando
impressiona-lo, mostrar a ele minha paixão pela biologia, mostrar que sou uma
boa garota, que entrar na sua faculdade seria um sonho realizado, e que ele me
aceitar seria a decisão mais sábia a se tomar, porém, como falar isso?
Ou melhor, como escrever isso sem parecer clichê ou
prepotente?
Sou péssima com explicações, posso até mesmo saber
exatamente o que quero passar, mas não sei como dizer, sempre foi assim, talvez
tenha puxado isso de meu pai, que sempre se complicou, e muito, quando
precisava me ensinar qualquer coisa, se não fosse por minha mãe, talvez até
hoje eu não soubesse amarrar meu tênis.
Meia noite e vinte e sete.
Suspiro.
Incrível como os minutos pareciam voar, me pressionando a
escrever mais rápido. Eu só queria ter mais um dia, apenas mais 24 horas para
tentar escrever algo descente, mas cá estou eu, com o prazo de nove horas, nada
mais, nada menos.
Sei que meus pais esperam que eu consiga entrar em alguma
faculdade este ano, eles não se importam em qual, só querem que eu entre. Tenho
que agradecê-los por não serem tão exigentes, mas sinto que talvez consiga
decepciona-los, mesmo eles tendo me pedido tão pouco.
“uma pessoa esforçada...” tento escrever algo mais, mas é
isso, sou esforçada...
Deixo meu corpo afundar na cadeira, frustrada.
Olho para a foto, no porta-retratos que está ao lado do meu
notebook. Aquela foto havia sido tirada há apenas dois anos atrás, no 27º
aniversario de casamento dos meus pais, lá estávamos os três juntos, sorrindo
para a foto. Meus pais já são um pouco velhos, não posso negar, meu pai é calvo
e, apesar de negar, muitos dos seus dentes foram reimplantados. Minha mãe
possui algumas rugas, porém se mantem sempre bem cuidada, nunca deixa passar o
dia de pintar seu cabelo, que naturalmente é castanho, mas que ela pinta de
vermelho.
Eu tenho a altura do meu pai, que é alguns centímetros mais
alto do que minha mãe. Não me pareço muito com nenhum dos dois, sou uma mistura
perfeita.
Sou muito branca, assim como meu pai, tenho cabelo bem
preto, que não condiz com nenhum dos dois, mas creio ter puxado a meu avô
materno, e sou muito magra, o me remete da minha mãe. Desde que aquela foto
havia sido tirada, eu tinha ganhado alguns quilinhos, o que, para surpresa de
alguns, é algo bom, já fui motivo de chacota por eu ser muito magra, meus
peitos custaram para crescer e, bom, se eu comparar com minha amigas, eu não
tenho tantas curvas ainda.
Naquela foto nós estávamos felizes, principalmente eu. Ali
eu ainda não tinha nenhuma preocupação com o que seria. O mundo adulto, mesmo
estando tão eminente, me parecia tão distante, e agora, que tudo o que eu
julgava ser o futuro, batia em minha porta, eu estava desesperada.
“Meu nome é Lara Sullivan, tenho 19 anos, me formarei no fim
desde mês e me candidato para uma vaga no curso de Biologia. Creio ser uma boa
candidata para a vaga em sua faculdade, porque sou uma pessoa
esforçada...”. Seria esforçada a melhor palavra?
Entro no site de pesquisa e procuro por um sinônimo mais
elegante... Usar palavras difíceis talvez fosse à solução para esconder minha
clara dificuldade em escrever um texto aproveitável.
“sou dedicada?”
“sou empenhada?”
“sou corajosa?”
“tenho diligência?”
A quem eu estou tentando enganar? Eu nem mesmo sabia que
existia esta palavra, diligência.
Uma da manhã.
“Meu nome é Lara Sullivan, tenho 19 anos, me formarei no fim
desde mês e me candidato para uma vaga no curso de Biologia. Creio ser uma boa
candidata para a vaga em sua faculdade, porque sou uma pessoa esforçada, que se
dedica aos estudos...”. – começo a evoluir.
Pelo menos agora eu não minto, sempre me dediquei aos
estudos, passar de ano sempre foi minha prioridade, não sei exatamente o
porquê, talvez porque era a única coisa do qual eu poderia me gabar, ou porque
isso significava algum presente especial no fim do ano, dado pelos meus pais, o
que, muitas vezes, significava uma viagem durante as férias de verão.
“Meu nome é Lara Sullivan, tenho 19 anos, me formarei no fim
desde mês e me candidato para uma vaga no curso de Biologia. Creio ser uma boa
candidata para a vaga em sua faculdade, porque sou uma pessoa esforçada, que se
dedica aos estudos, obtendo sempre notas acima da media, como se mostra em meu
histórico escolar...”.
Estranho. – penso.
Meus pais, numa hora dessas, já deveriam estar dormindo. Mas relevo, talvez
seja o gato do vizinho que conseguiu invadir nossa casa mais uma vez.
Escuto mais um barulho, desta vez algo de vidro se quebra.
Aff! Este gato vai
quebrar a casa inteira.
Levanto-me da minha escrivaninha e vou até a porta, não iria
sair nada mais da minha cabeça naquele momento, então não faria mal tentar,
pelo menos, salvar a casa.
Tento abrir a porta, mas ela esta trancada.
Mas como?
Eu nunca tranco minha porta, era uma regra aqui em casa, eu
nem mesmo tinha a chave da porta, nem mesmo sei se meus pais sabiam onde ela
estava, então, porque ela não abria? Está emperrada?
Tento forçar mais a maçaneta, mas não adianta.
Mais um barulho. Desta vez parece ser algo pesado, como um
móvel caindo. Assusto-me. Será mesmo que
era só um gato?
Sinto um arrepio em minha nuca só com a possibilidade. Paro
de tentar abrir a porta, talvez, se for um ladrão, ele roubasse apenas o que
está no primeiro andar, ficar quieta, poderia ser imprescindível neste momento.
Escuto um grito.
É minha mãe.
Continua
Estamos chegando no final (ou será o grande começo?) dessa história. Este capítulo já foi escrito há um bom tempo e por ser muito grande, será dividido em várias partes.
Espero que gostem.
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