domingo, 19 de março de 2017

10. Por Lara (Parte 1)





Olho para o relógio no canto direito da tela de meu notebook, já se passa da meia noite, meia noite e dez, para ser mais exata. Tento não me distrair com algum site na internet, mas quando me dou conta já é meia noite e dezesseis, me distrai novamente, e nem mesmo sei com o quê. Olho para o Word, e para as quatro linhas ali escritas. Eu tinha apenas algumas horas para terminar aquele texto de apresentação, minha ultima chance de entrar em alguma faculdade, já que todas as outras datas já haviam expirado.
“Meu nome é Lara Sullivan, tenho 19 anos, me formarei no fim desde mês e me candidato para uma vaga no curso de Biologia. Creio ser uma boa candidata para a vaga em sua faculdade, porque sou uma pessoa...”.
Uma pessoa...
Ótimo, sou uma pessoa.
Sou uma pessoa que não faz a mínima ideia do que escrever. Aquele e-mail seria lido pelo reitor da faculdade, e eu deveria estar tentando impressiona-lo, mostrar a ele minha paixão pela biologia, mostrar que sou uma boa garota, que entrar na sua faculdade seria um sonho realizado, e que ele me aceitar seria a decisão mais sábia a se tomar, porém, como falar isso?
Ou melhor, como escrever isso sem parecer clichê ou prepotente?
Sou péssima com explicações, posso até mesmo saber exatamente o que quero passar, mas não sei como dizer, sempre foi assim, talvez tenha puxado isso de meu pai, que sempre se complicou, e muito, quando precisava me ensinar qualquer coisa, se não fosse por minha mãe, talvez até hoje eu não soubesse amarrar meu tênis.
Meia noite e vinte e sete.
Suspiro.
Incrível como os minutos pareciam voar, me pressionando a escrever mais rápido. Eu só queria ter mais um dia, apenas mais 24 horas para tentar escrever algo descente, mas cá estou eu, com o prazo de nove horas, nada mais, nada menos.
Sei que meus pais esperam que eu consiga entrar em alguma faculdade este ano, eles não se importam em qual, só querem que eu entre. Tenho que agradecê-los por não serem tão exigentes, mas sinto que talvez consiga decepciona-los, mesmo eles tendo me pedido tão pouco.
“uma pessoa esforçada...” tento escrever algo mais, mas é isso, sou esforçada...
Deixo meu corpo afundar na cadeira, frustrada.
Olho para a foto, no porta-retratos que está ao lado do meu notebook. Aquela foto havia sido tirada há apenas dois anos atrás, no 27º aniversario de casamento dos meus pais, lá estávamos os três juntos, sorrindo para a foto. Meus pais já são um pouco velhos, não posso negar, meu pai é calvo e, apesar de negar, muitos dos seus dentes foram reimplantados. Minha mãe possui algumas rugas, porém se mantem sempre bem cuidada, nunca deixa passar o dia de pintar seu cabelo, que naturalmente é castanho, mas que ela pinta de vermelho.
Eu tenho a altura do meu pai, que é alguns centímetros mais alto do que minha mãe. Não me pareço muito com nenhum dos dois, sou uma mistura perfeita.
Sou muito branca, assim como meu pai, tenho cabelo bem preto, que não condiz com nenhum dos dois, mas creio ter puxado a meu avô materno, e sou muito magra, o me remete da minha mãe. Desde que aquela foto havia sido tirada, eu tinha ganhado alguns quilinhos, o que, para surpresa de alguns, é algo bom, já fui motivo de chacota por eu ser muito magra, meus peitos custaram para crescer e, bom, se eu comparar com minha amigas, eu não tenho tantas curvas ainda.
Naquela foto nós estávamos felizes, principalmente eu. Ali eu ainda não tinha nenhuma preocupação com o que seria. O mundo adulto, mesmo estando tão eminente, me parecia tão distante, e agora, que tudo o que eu julgava ser o futuro, batia em minha porta, eu estava desesperada.
“Meu nome é Lara Sullivan, tenho 19 anos, me formarei no fim desde mês e me candidato para uma vaga no curso de Biologia. Creio ser uma boa candidata para a vaga em sua faculdade, porque sou uma pessoa esforçada...”.  Seria esforçada a melhor palavra?
Entro no site de pesquisa e procuro por um sinônimo mais elegante... Usar palavras difíceis talvez fosse à solução para esconder minha clara dificuldade em escrever um texto aproveitável.
“sou dedicada?”
“sou empenhada?”
“sou corajosa?”
“tenho diligência?”
A quem eu estou tentando enganar? Eu nem mesmo sabia que existia esta palavra, diligência.
Uma da manhã.
“Meu nome é Lara Sullivan, tenho 19 anos, me formarei no fim desde mês e me candidato para uma vaga no curso de Biologia. Creio ser uma boa candidata para a vaga em sua faculdade, porque sou uma pessoa esforçada, que se dedica aos estudos...”. – começo a evoluir.
Pelo menos agora eu não minto, sempre me dediquei aos estudos, passar de ano sempre foi minha prioridade, não sei exatamente o porquê, talvez porque era a única coisa do qual eu poderia me gabar, ou porque isso significava algum presente especial no fim do ano, dado pelos meus pais, o que, muitas vezes, significava uma viagem durante as férias de verão.
“Meu nome é Lara Sullivan, tenho 19 anos, me formarei no fim desde mês e me candidato para uma vaga no curso de Biologia. Creio ser uma boa candidata para a vaga em sua faculdade, porque sou uma pessoa esforçada, que se dedica aos estudos, obtendo sempre notas acima da media, como se mostra em meu histórico escolar...”.

Escuto um barulho que parece vir do primeiro andar da casa. O barulho parece a de um objeto, não muito grande, caindo ao chão.
Estranho. – penso. Meus pais, numa hora dessas, já deveriam estar dormindo. Mas relevo, talvez seja o gato do vizinho que conseguiu invadir nossa casa mais uma vez.
Escuto mais um barulho, desta vez algo de vidro se quebra.
Aff! Este gato vai quebrar a casa inteira.
Levanto-me da minha escrivaninha e vou até a porta, não iria sair nada mais da minha cabeça naquele momento, então não faria mal tentar, pelo menos, salvar a casa.
Tento abrir a porta, mas ela esta trancada.
Mas como?
Eu nunca tranco minha porta, era uma regra aqui em casa, eu nem mesmo tinha a chave da porta, nem mesmo sei se meus pais sabiam onde ela estava, então, porque ela não abria? Está emperrada?
Tento forçar mais a maçaneta, mas não adianta.
Mais um barulho. Desta vez parece ser algo pesado, como um móvel caindo. Assusto-me. Será mesmo que era só um gato?
Sinto um arrepio em minha nuca só com a possibilidade. Paro de tentar abrir a porta, talvez, se for um ladrão, ele roubasse apenas o que está no primeiro andar, ficar quieta, poderia ser imprescindível neste momento.
Escuto um grito.
É minha mãe.



Continua

Estamos chegando no final (ou será o grande começo?) dessa história. Este capítulo já foi escrito há um bom tempo e por ser muito grande, será dividido em várias partes.
Espero que gostem.

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