terça-feira, 22 de setembro de 2020

O Encontro

Caso queira ler a versão completa, é só prosseguir com sua leitura aqui mesmo, porém, se preferir ler a versão resumida, basta entrar neste link A Lenda (Versão Resumida)


...

Ao acordar Lia se dirige até o banheiro e permite se encarar no espelho por alguns segundos. Ela não se deixaria abalar pelo novo rumo em seu sonho, o roteiro e suas pequenas variantes já a acompanham por tempo o suficiente para ela não mais se importar.  

Após tomar banho e arrumar seu cabelo, deixando seus finos cachos mais volumosos e definidos, Lia coloca uma calça jeans e uma blusa de manga que vai até os cotovelos, soltinha de pano leve e de botões, da cor branca. Lia deixa a maior parte dos botões da blusa fechados, para que o seu decote não chame muita atenção no seu meio de trabalho, apesar de ter a sorte de trabalhar em uma empresa bem livre, onde o que o que cada funcionário veste nunca é questionado, Lia ainda gosta de manter certa classe.  

Lia trabalha na redação de um site de notícias e entretenimento voltado para o estado de Minas Gerais, o site tem grande influência nas redes sociais e ela é a responsável pela parte da gastronomia. Apesar de não poder se considerar uma Masterchef, a culinária sempre foi sua paixão, as melhores lembranças da sua infância giram em torno do fogão a lenha de sua avó, no sítio da família. Embora tenha paixão pela comida, quando precisou escolher sua faculdade, decidiu-se pelo jornalismo. Por sorte pode dizer que não se arrependeu de sua escolha e ainda pode comemorar o fato de ter alcançando um bom cargo numa boa empresa com a possibilidade de juntar suas duas paixões.  

Ao terminar de se arrumar, Lia desce até a garagem do prédio em que vive e entra em seu carro, um corsa cinza. Logo que entra, já liga a rádio, ela sempre gosta de escutar as notícias enquanto se dirige ao trabalho. 

Após tocar uma música da Marília Mendonça o radiologista começa a dar as notícias do dia: 

" Ambulantes encontraram mais um corpo na rua, desde vez a vítima se encontrava próximo ao complexo da Lagoinha. A causa da morte ainda não  foi oficialmente revelada, mas as informações que temos torna essa morte muito semelhante a outros dois casos que ocorreram na semana passada, em que as vítimas foram encontradas com arranhões pelo corpo, e com os ossos do tórax quebrados, como se o indivíduo tivesse sido esmagado. O nome da vítima não foi revelado, mas sabemos que se tratava de um homem de aproximadamente 20 anos que era morador da região.  

A polícia não descarta a possibilidade de um possível assassino em série estar atuando na capital, mas pede que a população mantenha a calma, e garante que estão trabalhando com empenho para prender o assassino. Qualquer Informação deve ser notificada a polícia através do número 181, você não precisa se identificar…" 

Lia já pensa no caos que estará a redação quando chegar no trabalho. Nos casos da semana passada, a cobertura da notícia rendeu um número de interações recorde para o site e várias teorias já haviam sido criadas pelos leitores, desde de um bicho selvagem a solta à um estranho ritual pagão. Provavelmente hoje tudo seria ainda maior já que a própria polícia acredita na possibilidade da existência de um assassino em série… Se não queriam causar pânico, pode-se dizer que falharam.  

A redação fica no segundo andar de um prédio comercial na região centro-sul da cidade de Belo Horizonte, e como previsto, todos estavam como loucos a buscar mais informações sobre o novo caso, até mesmo alguns jornalistas responsáveis por outras áreas estavam juntos na busca de qualquer pista. Provavelmente Lia seria deslocada para essa função também. Tudo para que fossem os primeiros a noticiarem todos os detalhes possíveis.  

O dia de trabalho é cansativo, o horário de almoço é corrido e o estresse domina a redação. Praticamente todos estavam focados em descobrir mais sobre as mortes e por isso as outras áreas do site foram quase que abandonadas. Lia teve que se contentar em postar apenas uma receita de galinhada com fotos de arquivo. Depois disso teve que ajudar nas atualizações do caso, a cada nova pista, uma nova postagem era feita às pressas, e para garantir a qualidade, todos tinham que correr contra o tempo para averiguar a notícia, fazer a reportagem, revisar o texto, criar uma chamada, procurar imagens e publicar de maneira apropriada nas diferentes redes sociais.  

Quando seu turno finalmente acaba, o sol já desce no horizonte e ela não aguenta mais ouvir sobre ossos esmagados, arranhões, e teorias de monstros, ets e psicopatas. Lia só queria que aquele tormento acabasse. 

A volta pra casa tampouco é das melhores, o trânsito está infernal. Para tentar contornar o engarrafamento infinito, Lia faz uma rota diferente, fugindo das avenidas principais e cortando  caminho por ruas domiciliares. A volta seria maior, mas pelo menos ela sairia do lugar.  

Como se o universo estivesse num complô contra a jornalista, seu carro para e só aí ela percebe que está sem gasolina. Ela deveria ter prestado atenção, mas o cansaço do dia lhe sugara a energia.  

Lia procura pelo Google Maps qual o posto de gasolina mais próximo, na esperança de não precisar chamar um reboque para algo tão simples. Felizmente um posto de gasolina está aberto a dois quarteirões de distância.  

Lia pega um galão de 3L no porta mala e sua bolsa, carteira, celular e a chave do carro. Ela não sabia dizer se era seguro deixar seu carro ali, pois não conhecia a rua, mas no pior dos casos, teria os quatro pneus roubados, já que o carro não andaria.  

Ela ainda caminha pelo primeiro quarteirão quando um som a surpreende. Por ser tão familiar, ela não percebe de início, mas assim que compreende, ela para de andar.  

O piar vem de muito perto. Ela olha para todos os lados a procura do Uirapuru, mas não o vê. 

Ela volta a andar, aquilo não era possível, aquela ave não migrava para o sudeste, pelo menos era o que ela achava... O cantarolar do pássaro deveria ser coisa da sua imaginação.  

No entanto ela não vai muito mais longe, o piar se intensifica perto de uma árvore de ipê, e lá ela vê o pequeno pássaro.  

O choque a faz paralisar por alguns segundos. O pássaro para de piar ao vê-la, mas o mesmo não foge, muito pelo contrário, com um curto voo ele para bem a sua frente. Lia observa aquilo sem acreditar no que vê.  

O passarinho voa e Lia pensa em retornar sua jornada ao posto de gasolina, tentando não se impressionar com o que acabara de acontecer, mas poucos passos são dados quando o barulho das asas do pássaro batendo chama sua atenção, o barulho é mais alto do que deveria.  

Lia se torna em direção do barulho e o que vê a faz soltar um grito. O pássaro, ainda no ar, aos poucos se transforma na figura de um homem. 

Ela tem que estar sonhando, aquilo não poderia ser real! 

Lia começa a correr, seu grito de espanto faz com que os cães das casas ao redor comecem a latir com intensidade, logo alguém iria aparecer para ver do que se tratava e ela não gostaria de ter que se explicar, ninguém iria acreditar no que ela vira, pois nem mesmo ela crê.  

O homem, porém, também corre atrás dela e logo a alcança, segurando-a pelo braço.  

É tão real que Lia sente que vai desmaiar, mas quando vê o olhar do pássaro que é homem ou do homem que é pássaro ou seja lá o que isso seja, Lia se surpreende mais uma vez: ela reconhece esse olhar. É o mesmo olhar do pássaro do sonho.  

Prendida por esse fato inesperado, Lia para de se contorcer para se soltar, e percebendo que ela não mais reluta, o homem-pássaro a liberta.  

O coração de Lia está acelerado, ela quer fugir, ela quer acordar desse sonho/pesadelo, mas a confusão não a deixa fazer nada.  

O homem pássaro então reage e fala com uma voz que ela também pode reconhecer do sonho que teve na madrugada anterior, a frase, inclusive, é a mesma.  

– Nos ajude!

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