quarta-feira, 29 de julho de 2020

4. “You are never coming home”

“You are never coming home”

“... Não posso prever o futuro e sou cético a quem diz que consegue adivinhar o que ainda vai acontecer. Mas dessa vez eu vou me deixar levar, vou profetizar meu desejo e assim, quem sabe, daqui a vinte anos você, com sua memória de elefante, pare e fale: Ei, você lembra no dia do nosso casamento? No seus votos você disse que isso aconteceria, e está acontecendo. Profetizo que conheceremos a europa, você poderá ver o teto da Capela Sistina; teremos um filho, ou filha, não importa. Deixaremos que ele ou ela pinte e rabisque todas as nossas paredes, assim desenvolvemos a sua criatividade desde criança; sempre vamos jantar juntos, este será nosso horário sagrado, não importa onde vamos trabalhar, não importa os outros compromissos. Quando aposentados, vamos fazer um cruzeiro, viajaremos a algum lugar onde possamos ver as orcas; seremos os avós mais bestas possíveis, do tipo que mima os netos aos extremo, mas seremos extremamente rabugentos, do tipo que reclama das modernidades e diz que no nosso tempo não era assim, que é fim dos tempos. Seremos invencíveis, inseparáveis, mesmo distantes estaremos perto, mesmo brigados, nos amaremos… Pois desde o primeiro dia eu já sabia, que nossa vida para sempre estaria entrelaçada.”

“Eu gostaria que você tivesse lido essa parte no altar também.” - diz Clarisse sorridente. “Mas Carlos estava certo, ficaria muito grande.” 
Olho-a ali, tão bonita, viva, parece tão real...
– Você não está aqui, não é ? - digo já sabendo a resposta. Retornamos mais cedo da trilha, o guia voltou com a gente, enquanto o paramédico seguiu com o resto do grupo. O caminho de volta foi silencioso, eu ia e vinha das crises de choro. Agora Carlos dormia no sofá do nosso apartamento, o apartamento que escolhemos juntos. Ele estava preocupado, disse que passaria a semana aqui, para me ajudar. E sendo bem sincero, ele nunca realmente descuidou de mim, seja no bar, quando mesmo estando tão bêbado quanto eu, ele cuidou de mim, ou no sábado, quando ainda se recuperava, saiu de sua casa para cuidar de mais uma crise loucura minha… Imagino quantas vezes isso já aconteceu nesses últimos 8 meses, mas não consigo, pois para mim você nunca me deixou, você sempre esteve lá, como se todo o acidente, seu velório, tudo, tivesse se apagado de minha mente…
 Agora eu estou no quarto, quarto do qual pouco pudemos aproveitar...
"Não." - ela responde. 
– Você é apenas um fantasma em minha mente. - digo.
"Sim." - ela confirma. 
– Mas você é tão real! - reclamo, eu posso te tocar, eu te sinto.
Ela não responde. 
– Eu não posso te esquecer. - meu coração está quebrado.
“Eu não te esqueceria” - ela responde. “Eu tampouco te deixaria”
– Mas você deveria… Você iria pelo menos tentar. - digo. 
“Você tentou” - ela diz, quer dizer… Algo em mim diz que tentei e talvez eu tenha e apenas não me lembre. “Mas cá estamos.” 
– Eu deveria deixar você ir. Você nunca vai voltar. - eu vejo seu sorriso fraco, seus olhos compreensivos. É a hora, ela entende e eu também. Eu fecho os olhos, no fundo tenho a esperança que ao abri-los tudo será apenas uma grande confusão, que eu ainda a verei, que ela ainda estará aqui, que nosso planos ainda vão se concretizar.
Respiro fundo. Quando torno a abrir os olhos, não a vejo. 

Eu a deixo ir. 

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